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AVE, NÉLIDA!
De 09 a 18 de setembro, aconteceu a 5ª Feira do
Livro de Ribeirão Preto, uma das maiores do gênero, a céu aberto.
Para quem seguiu
todos os passos, percalços e vitórias, desde o primeiro evento, em 2001, é
fácil fazer uma avaliação justa e objetiva. Houve mudanças estruturais na
Feira, em 2005, na nova gestão municipal. Estranhou-se um pouco, porque, nas anteriores,
havia uma discussão democrática entre membros das Academias de Letras, Grupos
Literários, o Sesc; faziam-se dezenas de reuniões, multiplicavam-se as
parcerias. Nesse ano, por razões desconhecidas, tudo foi feito meio à socapa,
com pequenas notas esparsas nos jornais e a programação geral só saiu no dia da
inauguração da Feira. Prevaleceu apenas a aparência
externa, os estandes brancos nas Praças XV e Carlos Gomes, o mesmo espaço
geográfico. Lembro-me, muito melancólica, em 2003, de quando lancei meu romance
epistolar “Cartas a Cassandra”, havia grandes estandes ricos de títulos
variados defronte o Teatro Pedro II, todos fervilhando de pessoas comprando
livros. Na minha noite de autógrafos, o Pálace ficou
repleto e uma fila de quase cem pessoas espraiava-se para fora do edifício. A
Feira de 2005, no entanto, foi um evento mais frio, mais pobre, meio sem alma.
E o resultado final
desse ano? Alguns escritores habituais, atraindo sempre bom público, como Pedro
Bandeira e Ziraldo. Mantiveram-se os esquemas do Café Filosófico e Salão de
Idéias. Por razões desconhecidas pelo público, todas as palestras com
escritores aconteceram na Biblioteca Padre Euclides e não nas dependências do
Teatro Pedro II, como antes. Escolha infeliz. A Biblioteca não fica no local da
Feira, está ainda em reforma e em condições precárias de conforto e aparência.
Estimularam-se muito, como em anos anteriores, as visitas de alunos das Escolas
Públicas. A Feira foi, durante dez dias, parque de diversões, repleto da
meninada alegre, sem dinheiro para sequer um sorvete, lambendo com os olhos os
livros coloridos e inacessíveis. Muito barulho por nada, como na peça famosa.
A divulgação, sempre
meio precária, como anteriormente, em 2005 foi o calcanhar-de-aquiles do
evento. E pior: apresentadores despreparados, diminuição de convidados famosos,
de grandes nomes da literatura. Em meio a esse festival de erros, um acontecimento ímpar, que salvou a 5ª Feira do Livro de Ribeirão
Preto. A cidade teve a honra de receber a acadêmica Nélida
Piñon, da ABL, escritora premiada nacional e
internacionalmente, a grande Dama da Literatura Brasileira, uma das mulheres
mais cultas do mundo literário, sem sombra de erro.
Nélida Piñon
merecia uma comissão para recebê-la condignamente, um local privilegiado para
falar, um apresentador que conhecesse bem toda sua obra e uma divulgação ampla
e expressiva da mídia, digna da sua grandeza, do seu talento.
Felizmente, a Câmara
Municipal, mediante apresentação do projeto da vereadora Fátima Rosa, concedeu
o título de Cidadã Ribeirão-pretana à grande Senhora
das Letras. A entrega do laurel se deu, dia 12, às 11 horas da manhã, em uma
cerimônia simples, porém alegre, significativa, na Praça XV, onde
a Câmara veio pela primeira vez para entregar um título desses. Aceitei,
orgulhosa, o convite para fazer a saudação àquela grande mulher. Nélida Piñon é contida e
brilhante. Agradecendo a homenagem, disse sucintamente, palavras notáveis,
enfatizando que, nesse momento político drástico, pelo qual passa o País, é
preciso que ingênuos e incautos não misturem homens corruptos e a Nação. O
Brasil continua o grande país que sempre foi. Só está precisando de uns
expurgos, de um habite-se.
Aliás, no Salão de
Idéias, elegante, risonha, simples, mas com um vocabulário riquíssimo e sempre
pertinente, Nélida ofereceu ao público preciosos
conceitos sobre a literatura (o excelso que se cria além do texto), a ficção
(supra-realidade recriada). Entusiasmei-me, porque seus conceitos sempre foram os que abracei: o escritor toma a realidade e recria algo
denso e belo sobre o chamado real. Nenhum autor é um demiurgo que cria do nada.
Contagiou os presentes com seu amor enfático, entusiasmado
pela palavra, que não é só instrumento, mas vida para o escritor. A nobre
palavra, matéria-prima, veículo, canal entre a realidade e o talento do
escritor, no Fiat literário.
Nélida Piñon,
a cidadã, a acadêmica, a escritora, a intelectual, todas são muito harmônicas:
densas, fortes, brilhantes, cultas, e quando elas falam, através da mulher, seu
discurso é sempre profundo, coeso, só carne e nervos, sem rebarbas.
Nós a saudamos, Nélida Piñon, que deu brilho e
sentido à 5ª Feira do Livro de Ribeirão Preto, hoje, verdadeiramente, a Capital
da Cultura, pretenso epíteto que já existia e, agora, se concretizou.
Ave,
Cidadã Ribeirão-pretana ilustre!
Ely Vieitez
Lisboa é membro da Academia Ribeirãopretana
de Letras e da União Brasileira de Escritores.