Toda cultura é fruto duma síntese entre origem
étnica, situação geográfica, evolução histórica e ímpetos espirituais duma
comunidade humana. Os búlgaros são uma fusão de três povos: trácios, bulgáricos
e eslavos, que se deu na Península Balcânica (aliás, a palavra balcán é
da língua bulgárica e significa montanha, portanto a tradução é Península
Montanhosa). E cada um veio contribuindo na formação da cultura búlgara.
Os trácios deixaram figuras que pertencem ao patrimônio
universal. Urna delas é Espártaco; na região onde nasceu há um monumento
lembrando o gladiador que ‘ chefiou a mais poderosa rebelião dos escravos no
Império Romano. Não muito longe daquele lugar, nas montanhas dos Ródopes,
também no sul da Bulgária, outra composição escultórica homenageia Orfeu, pois
o mais famoso músico de toda a antiguidade era trácio e sua personalidade,
mítica, real ou mítico-real, sobreviveu aos milênios. Outro vulto do panteão
trácio é Dioniso, o deus alegre e libertino do vinho. Incorporado pelos helenos
a seu politeísmo absorvente, de lá foi transmitido aos romanos, para ganhar
urna celebridade ainda maior, já com o nome de Baco. Segundo pesquisas, provas,
cientificamente certas, testemunham que o vinho foi inventado pelos trácios, de
quem Homero na llíada diz que eram o povo mais numeroso depois dos
hindus. Outro produto devido aos trácios é o iogurte; no idioma deles este
vocábulo, posteriormente universalizado, significa leite compacto. Os biólogos
ignoraram os trácios e chamaram de bacilos búlgaros os microrganismos que provocam
a transformação do leite em coalhada. No território inicial do iogurte há mais
de 30.000 promontórios artificiais que encerram túmulos de trácios nobres e que
representam uma riqueza incalculável para os arqueólogos, que já descobriram
dezenas de tesouros de ouro. Os mais célebres deles foram exibidos nos museus
de maior prestígio no mundo.
Os bulgáricos chegaram ao que hoje é a Bulgária no séc. V,
procedentes da região de Hindukuch, montanha do Afeganistão. Eram parte de uma
vasta diáspora, pois outros deles estabeleceram-se na Itália, onde, entre
outras coisas, ainda persistem topônimos e sobrenomes como Bulgarini,
Bulgarelli, Bulgari (lembram o famoso perfume?), Rússia, Ucrânia, Armênia,
Hungria, Turquia, criando vínculos sanguíneos com aqueles povos. Os bulgáricos
eram monoteístas antes do judaísmo, acreditavam só em Tangra, ou seja, o Céu.
Um pico de 7.010 metros na montanha Pamir, no coração da Ásia, leva o mesmo
nome, Tengri. Eles fizeram uma aliança militar com tribos eslavas nos Bálcãs e
em 679 derrotaram Bizâncio; no território conquistado fundaram um dos vários
Estados búlgaros, que têm um herdeiro na atualidade. Os bulgáricos tinham
escrita própria (runas bulgáricas) e um calendário mais exato do que o
gregoriano. Levaram à Europa o sabre, o estribo, o tear horizontal. Algumas das
palavras bulgáricas no português são boiardo, tzar, sabre, estribo, hússar
(hussardo), horda, hurra, Boris.
Pertencentes a uma dúzia de povos, que na sua totalidade estão
na casa dos 350 milhões, os eslavos são o componente mais conhecido dos três
elementos fundacionais dos búlgaros. Graças ao lado eslavo os búlgaros ficam
muito mais perto do Brasil, pois seu âmbito hospitaleiro acolheu milhões de
poloneses, ucranianos, russos, tchecos, etc. e eles trouxeram a sua nova pátria
muita coisa das músicas, danças, costumes, etc.
Mas sendo uma encruzilhada entre três continentes (Europa,
Ásia, África), pelas terras búlgaras passaram, segundo historiadores, uns
sessenta povos, desde godos e catalães até tártaros e árabes. Elas foram parte
de cinco grandes impérios: o Persa, o de Alexandre Magno, o Romano, o
Bizantino, o Otomano. Cada um está presente, de uma maneira ou de outra, na
herança arqueológica, histórica e cultural, na sensibilidade, na idiossincrasia
e no modo de ser dos búlgaros. O lado romano da Bulgária também a liga
diretamente ao Brasil: a província de Mésia (ainda hoje é o nome da Bulgária
Setentrional) e a Lusitânia beberam numa mesma fonte quanto a arquitetura,
religião, direito, etc. No fundo e na superfície, superando a distância física,
muitas relações existem entre o Brasil e a Bulgária.
Rumen Stoyanov é escritor e tradutor.