Breve Notícia
da Poesia Argentina Contemporânea
Ronaldo
Cagiano
?estranho que ainda se ainda se dêem as
costas para a literatura argentina contemporânea. Da terra de Borges, Oliverio
Girondo, Bioy Casares, Julio Cortázar, Roberto Arlt, Horácio Quiroga, Juan Jos?
Saer, Alfonsina Stormi, Juan Guelman, Benito Lynch e tantos outros, muito pouco
sabemos da recente produção, principalmente a nova safra poética. Embora
desconheçamos essa realidade estética, a verdade ?que h?uma poesia em plena
efervescência, considerando-se não apenas os clássicos do passado, mas uma geração
que vem construindo uma bibliografia da melhor qualidade.?
Entre os
nomes que integram o panorama da nova poesia argentina,
podemos citar a poesia de Eduardo Dalter, Claudio Sesín, Arturo Herrera,
Jos?Emílio Talarico, Sofía Vivo, Alejandro Acosta, Mirta Popesciel, Daniel
Chirom, Ricardo Ruiz, Elizabeth Molner, Gisele Rodriguez, autores independentes
que, apesar de produzirem ?margem do mercado editorial, não s?em Buenos
Aires, mas em outras regiões do País, pertencem a uma geração que efetivamente
traça um novo perfil na literatura do País, principalmente após tantos anos de
ostracismo impingido ?cena literária pela ditadura militar que durou menos de
uma década, mas foi capaz de interromper, com grande prejuízo para a cultura
argentina, um contínuo processo de consolidação da sua identidade cultural.
Dois
escritores que pertencem ?geração que sobreviveu ?imperdoável era de chumbo e
de obscurantismo político, Arturo Herrera e Claudio Sesín são exemplos de uma poética renovadora,?
representando o que poderíamos entender como uma poesia que
retoma o projeto lírico, sem abandonar o compromisso com a crítica social. Ao
lado de uma poesia que atravessou outras gerações, e ?caudatária de diversas
fases políticas e culturais da Argentina, como ?o caso da produção de Rodolfo
Alonso, um dos mais importantes autores da velha guarda e que hoje mantém-se como uma das vozes mais lúcidas e respeitadas do
seu País, Herrera e Sesín constituem-se em novo alento num cenário de outros
nomes que começam a pontificar.
Poetas da Catamarca, região noroeste da Argentina,?Arturo e Claudio são autores sintonizados com as emergências e angústias de seu tempo. Em seu premiado livro “Dones de la vigília? Herrera traz-nos, além de uma inflexão lírica, uma dimensão filosófica e dialética, fruto de sua aguda percepção crítica. Professor de literatura e latim na universidade local, h?em sua confecção literária um diálogo profundo entre a poesia, a história e a filosofia, fruto de suas influências e de uma sólida formação humanista e lingüística. No poema “Casa sola? reflete sobre o lirismo e da solidão da vida doméstica: “Siesta./ Todas las voces están ausentes./ La casa es un hueco grande./ En el pátio,/ el tiempo pasa como um canto tímido de pájaros./ Uniforme es el polvo de los muebles./ Em la penumbra, el olmo de los libros./ Voces difusas, imágenes lejanas;/ la soledad es tan amplia.../ crece y me oprime.,/ cresce y me desplaza./ El pensamiento me suspende com alas de ensueño.?o:p>
No artesanato poético de Claudio Sesín, depara-se
com uma escritura que transita entre o estranhamento e o onírico, tendo a
barbárie (social, política, econômica e humana) uma espécie de metaforização da
própria condição humana. Sesín denuncia, eu seu livro “La Barbárie? os eternos
conflitos quotidianos da civilização moderna, que experimenta suas dicotomias. Em versos candentes, verdadeira catarse
dos dilemas vigentes, explícita no canto XVII, temos um grito submerso e
hemorrágico: ?i>Pena y más pena/ sobre la inmensidad de los desiertos,/ sobre
el desierto de los muertos,/ sobre los vivos/ que ha partir de entonces habitan
el desierto./ Pena y más pena, y una sola lágrima./ El oro de la nada envenena
los árboles/ con ecos del infierno meditado./ Las farsas adquirieron
transparencias siniestras/ y la rabia naci? como el amor más puro,/ salvaje y
fiera./ Quien quiera puede verla/ montar el viento norte por las tardes.?/i>
Pertencente a uma geração
intermediária, que assimila as influências da tradição e?da vanguarda, a poesia de Eduardo
Dalter consiste numa das vozes mais representativas da produção portenha.
Editor da revista “Cuaderno Carmín de Poesía? Dalter ?professor de literatura
na Universidade de Buenos Aires e em sua trajetória contabiliza, além de vasta
produção e prêmios literários, a correspondência pessoal com Allen Ginsberg.
Poeta de uma visão crítica e social aguçadas, o autor viveu em Guíria
(Venezuela) durante o período da ditadura, para escapar aos tentáculos da
opressão militar e continuar a produzir sua poesia tensa e densa. Em seu
trabalho, que não descuida do enfrentamento das questões críticas por que
passou o povo e a política de seu país, com uma aguda consciência, que não
permite desviar-se pelo panfletarismo e da retórica, h?um espaço para o
lirismo e o decantamento da esperança no destino do homem e na viabilidade do
amor. Seus versos revelam um profundo sentimento do mundo, como em Drummond. Dalter proclama em “Las costas del golfo?
as ambigüidades existenciais: La vida confronta sus manos espesas/y sus
voces, bajo el aroma de fritanga,/ en las esquinas, y
las calles/ de la redonda se mecen/ hondamente de ese aroma/ turbio que es casi
una divisa. Sopla/ dentro, muy dentro, la intempérie/ y los zamuros, en lo más
alto/, ensayan geometrías espaciosas,/ en tanto el
alacrán también acecha/con su soledad que baja entre los montes. Elegíaco,
homenageia o grande poeta Olivério Girondo - El día de anteayer / parece más
bien una encrucijada del futuro. Y Oliverio ríe, ríe/ desconsolado, como anunci
-e sua musa, a artista plástica Nídia Santa Cruz, em “Fragmentos de una
partitura: ?i>tus ensueños/ van por la calle/ cual una hoja del aire/ hasta
donde/ empieza la neblina. ?/span>Autor,
dentre outros, de Aviso de empleo (1971), En las señales terestres,
((1975), Hojas de sábila, (1992), Aguas vivas
(1993), Mareas (1997) e?Macuro
(2005).
Com Rodolfo Alonso transitamos por uma outra
vertente da poesia contemporânea, “uma poesia que não usa as palavras pela
sensualidade que desprendem, mas pelo silêncio que concentram. Poesia que tenta
exprimir o máximo de valores no mínimo de matéria vocabular, impondo-se uma
concisão que chega ?mudez? como definiu Carlos Drummond de Andrade, ao
apresentar Hago el amor (1969).
O poeta, que esteve em abril no Rio de Janeiro, para receber a
“Palma das Letras? honraria concedida a autores estrangeiros pela Academia Brasileira de Letras,
tem uma profunda ligação com o Brasil, tendo mantido intenso contato epistolar
com Drummond e Murilo Mendes, dos quais se tornou amigo. Desde cedo sentiu
grande empatia com a língua portuguesa, tendo sido o primeiro tradutor de
Fernando Pessoa para a América Latina, além de verter as obras de Olavo Bilac,
Drummond, Manuel Bandeira, Murilo Mendes e outros.
Depois de
introduzir alguns de nossos autores na Argentina, a poesia de Rodolfo Alonso
chegou recentemente por aqui com a chancela da Editora
Thesaurus, de Brasília. Ao publicar sua “Antologia Pessoal?(edição
bilíngüe, 196 pgs., R$20), preenche uma lacuna, mas ainda estamos longe de
fazer justiça a um escritor cuja bibliografia est?a merecer maior atenção
entre nós.?Alonso não esconde sua paixão
pelo Brasil e faz da sua literatura uma ponte dialética e cultural,
cristalizando um intercâmbio de experiências estéticas e humanas com os nossos
autores e o nosso povo.
Tanto na poesia de ressonâncias líricas, quanto
na de sopro social e crítico, a práxis poética de Rodolfo Alonso reveste-se de
peculiar concentração textual que, mesmo nos poemas mais?longos, prescinde de um discurso caudaloso.
Essa tessitura e acabamento encontramos
em “Cuerpo presente? Tantas como soñamos/ merecer una/ (Una mujer/ Muslos
de tempestad/ senos de viento/ sagrado olor a mar)/ Toda mujer/ sentada/ en el
augusto trono/ de su cintura/ Inmensa e no singularíssimo “Vizcacha?
¿La metáfora viva que buscaron/ para buscarse todos, al buscarse,/ vuelve
como parodia e ironía?/ ¿Este
misterio, este país que somos/ y que se enzarza fiero en su destino/ como luz
mala en el desierto, ahora o/ siempre bajo el solazo crudo, al rayo/ del deseo,
la impaciencia y su hermana/ ciega: la impotencia? ¿Ni civiles/ ni bárbaros,
apenas decadentes?/ ¿Esa imagen profunda de uno mismo/ donde abrevaba el mito,
la verdad/ oculta porque oscura, oscura/ porque honda, eso que nos hacía/ ser y
que íbamos a ser, culpables,/ desolados, quejosos,
engreídos,/ ni Cruz ni Fierro fueron, sino El Viejo?.
Em “Anti Warhol? dedicado a Marcel Duchamp, h?
um viés crítico, quando questiona aos fetiches e ícones da sociedade de
consumo. Apesar da
densidade do tema, não se desvia por um ritmo palavroso: Brillo de
superficie en una caj? donde la nada brilla nada brilla/ brillo del triunfo
que triunfa con brillar/ sobre la superficie del instante/ brillo de sociedad
de saciedad/ contagio del hartazgo asco del ágio/ superficial alud la ola de
nada/ que ávida nos envasa encenagados/ en catedrales selvas de consumo/
cárceles de mirar y ser mirado/ los bárbaros no esperes han llegado/ en la
cadencia de la decadência/?la seducción que
castra el vuelo raso/ que imagina tragedia al gallinero/ el despiadado espejo
helada llama/ de la cautivadora que cautiva/ brillo de superficie donde encaja/
el anonadamiento de la nada/ la superficie opaca ya no oculta/ la superficie
esquiva de la época/ la mera superficie el puro brillo/ de lo superficial no
hay interior/ la apariencia culmina su espectáculo/ la superficie de la nada
brilla.
A
experiência de Alonso com a linguagem remonta ?adolescência, quando aos 17
anos aproximou-se de um grupo de escritores de vanguarda que gravitavam em
torno da revista “Poesia Buenos Aires? Após contato com várias correntes, seu
processo de rigor e precisão, que harmoniza forma e conteúdo, cada vez mais se
aperfeiçoou. Alcançando o mais apurado grau de clareza e objetividade, persegue
o essencial, sem desperdiçar toda a carga semântica e metafórica que a criação
poética oferece.
Autor de
25 livros, entre os quais Salud o nada (1954), Buenos
vientos (1956), Hablar claro (1964), ?/span>Relaciones (1968), Señora Vida
(1979), Sol o sombra (1981), Música
concreta (1994) e Defensa de la poesía (1997), a
poesia de Rodolfo Alonso, que se renova a cada livro, chega em boa hora,
sobretudo em tempos de consolidação do Mercosul, quando se espera, além da
simbiose econômica, uma convivência que favoreça a valorização cultural e o
compartilhamento das múltiplas expressões literárias do continente.?E ao proclamar que hoy estamos aqu?
contenemos el mundo/ rebeldes a la muerte a la resurrección a la palabra, sua
poesia reflete não apenas o compromisso estético com a linguagem, mas a
necessidade de tocar no que ?essencial, profundo e humano, convertendo-se num
compromisso intelectual, em que as questões existenciais e sociais ensejam um
grito que reverbera as suas e as nossas angústias,
preocupados que estamos com os destinos do homem e do mundo.
A arquitetura literária de Arturo Herrera,
Claudio Sesín, Eduardo Dalter e Rodolfo Alonso simbolizam a força da atual
poesia argentina e dialogam entre si, em particular simbiose, e irrompe como
uma um novo farol ético e estético,?que
clareia os ermos territórios da alma e nos aponta um caminho seguro, para a
arte e a para vida política e social. Eis uma arte engajada, com suas vozes a
dissecar a realidade, com seu viés de humanidade e resistência, com suas
incisões e suas esperanças..
Ronaldo
Cagiano ?escritor e crítico literário.