Com
a recente publicação de “Os souvenirs da prostituta – a novela de Ipanema”
(Ed. Catedral das Letras, 2006, 112.pgs., R$ 22,90), o escritor Gerson Valle,
residente em Petrópolis, consolida seu
nome no atual panorama das nossas letras.
Afirmando-se,
nesta obra, como um narrador que capta com sutileza a alma social e transpõe a
realidade quotidiana para a ficção com riqueza estilística, sua narrativa, ao
passo que trata das transformações de um bairro e suas repercussões na vida de
seus moradores, acaba por empreender uma discussão filosófica, ética, estética
e moral acerca do escalonamento de valores representados pela vida
contemporânea.
Na
pele e na voz de um gato, que tudo contempla, processa e disseca, sob a perspectiva
da isenção, o personagem-narrador transita pelos escaninhos de Ipanema, num
percurso tão onírico quanto reflexivo. E desse seu íntimo observatório testemunha as metamorfoses do lugar e seus
habitantes, trazendo a nu, com sua aguçada percepção felina e seu fôlego
expansivo, todo um cenário que mistura realidade e ficção, nonsense e
supra-realismo, artifício que denuncia as dicotomias da modernidade. E ao
explicitar essa atmosfera jacente, demonstra que, se no embate entre classes e
culturais antagônicas a fronteira geográfica é tênue, por outro lado, é abissal
a distância que os separa, gerando os conflitos, as disputas, as ambições e os
desfechos que resultam da busca pela ascensão financeira ou mobilidade social,
foco de toda a obra.
Com
uma trama que vai se desenrolando ao ritmo e harmonia de uma prosa elegante e
diáfana, que se desencadeia com a mesma
malemolência das ondas do mar e a carga psicológica e metafórica da realidade
que traduz, o autor constrói um panorama sincero de uma época que representa um
divisor de águas na história de Ipanema, do Rio e do Brasil, que tem na bossa
nova o seu cadinho. A figura de duas
bruxas que se digladiam pela supremacia de uma verdade pretensamente
cosmopolita é a representação simbólica desse período de rupturas, desafios e
mudança de rumos e sob o olhar cirúrgico de um gato a verdadeira história se
desvela, pondo abaixo as hipnoses ideológicas, as amarras, os preconceitos
e sectarismos de toda ordem, para se
explicitar a verdadeira alma da rua e
das pessoas, dando a entender que a verdadeira prostituta é a consciência, com
suas algemas e seus fetiches.
Versátil
e talentoso, detentor de vários prêmios literários, o autor é advogado,
professor de Direito e tradutor, publicou recentemente “Vozes trazidas pelos
ventos” (Ed. Poiésis, 2005), obra em que reúne a sua multifária dicção poética.
Trata-se de uma escritura polifônica em
que o autor consubstancia sua visão do
homem e do mundo. Estendendo uma ponte dialética entre a tradição e a
modernidade, o lirismo e a crítica, em
seus versos de estrutura metrificada ou livre, concentra-se um amplo diálogo
estético com várias escolas e tendências. Autor em plena efervescência criativa
e profunda empatia com as demandas da arte e as angústias do nosso tempo,
Gerson Valle abrange em sua tessitura literária a compreensão holística da
própria existência, como se percebe nos diversos gêneros em que laborou, como se percebe nas obras “Confetes de muitos carnavais” (poesia,
1982),),” Vocabulário Trabalhista” (1976), “Jorge Antunes, uma trajetória de
arte e política” (ensaio, 2003) e “Dança das árvores” (teatro). Com essa segura experiência criativa, não
foi difícil para o autor arrebatar o 1º lugar no Concurso Nacional de Contos da
Associação Nacional de Escritores, com o livro “Vozes novas para velhos
ventos”, que será lançado nacionalmente, pela Editora Thesaurus.
Ronaldo Cagiano é escritor mineiro de Cataguases, vive em Brasília desde 1979.