Paulo Dantas
O tempo não pára.
Não passa de uma convenção. O tempo passou de repente e sentimos que ele não
pede licença a ninguém. E quem diria que nesse mês de fevereiro, com Carnaval e
tudo, comemoramos o centenário de Caio Prado Junior – o grande escritor,
editor, historiador, jornalista, economista e sociólogo. Cem anos são passados,
uma geração vai, outra vem. Glória para quem merece, que fica ou permanece vivo
na memória, como esse paulistano.
O homem
de Formação Econômica do Brasil, se tornou um clássico ao lado de um Sérgio
Buarque de Holanda e de um Gilberto Freire, o pernambucano, homem da Casa Grande
e Senzala. A obra conta a história sincera da nossa formação econômica,
indo até uma clássica análise da nossa
entrada ao capital estrangeiro, tema bastante discutido. O Brasil há
muito se entregara a esse capital. Na época, o Brasil era uma filial e não uma
matriz de exploração.
Caio era
um homem fidalgo e elegante, possuído de um sorriso franco e cativante. Caio
era nobre, alto na sua estatura, membro de uma das mais tradicionais famílias.
Intelectual, dono de um território livre na expressão dos seus pensamentos.
Com ele eu
passeava pelas ruas da cidade todo cheio de contentamento. Numa tarde, em
frente ao Mappim, o Caio me surpreendeu com a revelação de que tinha lido e
gostado muito do Jubiabá, romance de Jorge Amado. Romance esse escrito
quando o autor tinha completado 24 anos.
Lembro-me do nosso valente Caio Prado
Junior quando foi preso no Estado Novo, junto com o mestre Monteiro Lobato. Os
dois na detenção da Avenida Tiradentes travaram uma grande amizade. Uma amizade
feita de grades de ferro, que perdura a vida inteira. Solidária, jamais
solitária.
A poetisa,
nossa amiga, Cecília Meireles, dizia
“morte ou o infarto”. Existe sim certo infarto culposo; esse que pode
esquecer as dores e os problemas do povo. Para Caio Prado isto não existia.
Ele, no clássico estudo sobre a formação econômica, denunciou até crimes de
espólio do capital estrangeiro e outros problemas que perduram.
Lobato
gritava Getúlio! e, do outro lado, Caio denunciava a entrada do capital
estrangeiro. Deixemos essa história de lado, pois na pauta jornalística de Linguagem
Viva, o principal assunto é o centenário de Caio, que está sendo comemorado
no Brasil inteiro, principalmente nos meios universitários, onde ele foi uma
fera de sabedoria ministrando aulas ou lições de História e Sociologia. Com
ele, nós autores, bebíamos sinceros e positivos pensamentos.
A lição do
Caio era densa e exata. O estilo era o homem nobre, caráter rígido, palpável.
Como se
fosse um cidadão comum, lembro-me do Caio Prado quando era diretor de uma
poderosa editora, a nacionalista Brasiliense, ali no meio da Rua Barão de
Itapetininga, n° 91, que bancou livros e mais livros obrigando o povo a pensar.
Eu, romancista e novelista, nos anos cinqüenta, fazia vaidosamente sucesso.
O publicitário grego de Taubaté havia cunhado
um dístico imortal: “Um País se faz com homens e livros”.
O sonho da
editora realizado com a publicação das obras completas do Lobato, em 30
volumes, toda a sua obra para adultos e jovens – a maior Literatura infantil do
mundo.
Na Brasiliense lembro-me que havia uma
bela moça que dirigia uma pequena coleção de jovens do mundo inteiro. Era a
filha dileta do Caio. Por um descuido da sua parte, de um livrinho meu sobre a guerra dos Canudos, Danda fez dele
meu travesso menino um cidadão do mundo.
Lembro-me que a Danda havia retornado de
Paris. Vi sua fotografia na Livraria Francesa. Ela, feminista, lutava pelos
sagrados direitos humanos das mulheres, no tempo e no espaço, nos modos e nos
comportamentos.
A valente Danda Prado, filha de Caio, herdou sua sensibilidade e
leva adiante o trabalho da editora, com direito a bela livraria no bairro do
Tatuapé, onde mora a nossa poetisa Rosani, ativista desse Linguagem Viva.
Lembro-me também, nessa minha gostosa
hora da saudade, do saudoso Elias Chaves Neto, diretor da revista Brasiliense.
Não me fale mais desses encontros, onde todos nós éramos jovens e felizes sem
saber. O tempo passou de repente e agora me
esbarro com o centenário do Caio Prado Junior numa bela demonstração de
amor fiel. Chegou a hora e vez de um bom viva para saudar um centenário
tão importante para a história social do Brasil.
Nossos
escritores estão morrendo, isto é, dormindo profundamente, mas suas mensagens
estão nos livros que deixaram. A merecida glória se levanta na história da
nossa Literatura. Muitos são chamados e poucos são os escolhidos. Caio Prado
Junior é um desses poucos homens escolhidos que ficam para sempre nos nossos
corações.
Paulo Dantas é escritor, crítico literário e
vice-presidente da Academia de Letras de Campos do Jordão.