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Chão de Haicais

 

Caio Porfírio Carneiro

 

Débora Novaes de Castro nos brindou com mais um excelente livro – Chão de Pitangas (haicais), SP, Socrtecci Editora. Dona de um currículo notável no campo poético, com incursões na área infantil e infanto-juvenil, Débora domina, com total sensibilidade e vigor, o poema longo, o curto, a trova, e se dedica, com especial talento, ao haicai.

De vasta cultura universitária, que alcança outras áreas além das letras, é uma estudiosa desse ponto de luz que desafia os poetas, mas que são poucos os escolhidos para alcançá-lo. Na própria abertura deste livro ela insere pequeno ensaio, claro e objetivo, sobre o haicai no modernismo brasileiro e junta outros sobre sua origem, sua história e diversidades formais que tomaram.

O livro desdobra-se em três partes: haicais (modernos ou livres), haicais (guilherminianos ou guilherminos) e haicais (orientais). Embora os modernos ou livres venham ao vivo em maior número, a autora domina as três variantes com a mesma sensibilidade criadora, o mesmo “pontilhado” de surpresas, sons, emoções elípticas e surpreendentes.

O terceto haicaino oriental, de 5, 7 e 5 sílabas, ou mesmo o europeu, de contagem silábica mais variada, ou seja lá de qualquer contagem, aproxima-o de formas pétrias e da objetividade parnasiana. O grande poeta e estudioso da poesia oriental Paulo Colina, saudoso e querido amigo, ria-se da minha “caricatura crítica” e, no fundo, comigo concordava. Porque o haicai é, fundamentalmente, a poesia elíptica, um instante mágico, de abrangência totalizante e quase diria cósmica, que vai do impressionismo ao filosófico e, muito particularmente, à perplexidade. Eis porque se encontra lampejo haicaista em qualquer gênero literário, poesia ou prosa, até mesmo no cordel.

Fazê-lo ou como fazê-lo, valendo-se da intrínseca capacidade criadora, e não ao acaso com a ajuda dos deuses, só os talentos privilegiados são senhores disto. Não é para qualquer poeta. Fazer haicai é um privilégio. Eis que o haicai vai além da envolvência poética, pelo que revela até de assustador, descortinando, num sopro, verdades irreveladas e inapercebidas da vida, da alma, no mundo, do universo... Então os que se sentem e dominam bem essas pitadas quase divinas são muito poucos. Um haicai bem feito aproxima-se até da reportagem e da crônica, sem nelas cair, evidente.

Débora Novaes de Castro é uma dessas poetisas ungidas pelo sinal sensível de emoções e sentimentos. Solta-os aos ventos e recolhe deles estas mensagens poéticas tão curtas e tão universais, tais como as reunidas neste Chão de Pitangas. Ela é surpreendente nas três modalidades de haicais que o compõem, ou até mesmo no treliçamento deles, em liberdade maior de versejar. Vai de uma a outra em tal leveza de trato e achados límpidos, voleia tão bem nos “arremates”, que cada gota poética adquire aquela pureza inconsútil, ilocalizável mas presente, que são o alvo e o lume votivo do haicai.

Como cita-los? Mesmo porque, para além da qualidade deles, Débora é haicaista voltada para os enigmas do espírito e para o mundo que o cerca, de ótica abrangente, vendo e captando essência espiritual de todos os instantes da vida e da roldana enigmática em que ela palpita, que a existência é feita de instantes de atrações e repulsões. Do social “um estampido / mais um... e outro... / matadores impunes” (primeira parte) ao “não chore salgueiro / que a alegria que porfia / é um breve ligeiro” (segunda parte), tão lírico, e ao ecológico renascimento da vida vegetal em “em resposta às serras / as árvores mutiladas / escondem sementes” (terceira parte), vê-se bem que o traço vívido da autora é não se deixar pairar em divagações que voejam, voejam e não chegam  perto do coração. Débora é uma “lançadeira”, um fuso veloz de permanente imanência poética, projeção da artista da arte escrita.

Dizer que o livro é uma beleza é apenas somar adjetivo. O que vale é lê-lo, senti-lo, e descobrir, em Débora, a riqueza do haicais, essa mini-criação, tão pequena e tão grande, que é quase impossível defini-lo, porque no bojo dele há grandes silêncios assustadores.

Leiam o livro e comprovem.

Caio Porfírio Carneiro é escritor, crítico literário e secretário administrativo da União Brasileira de Escritores.