“Tudo o que você diz a gente absorve
porque são as verdades do sangue e da alma. A beleza se esculpe em seda no seu
estandarte poético.” Abguar Bastos – 12-07-92.
“ Muito corpo, muito verde, por isso
mesmo, muita natureza no seu De Corpo e
Verde” - Sólon Borges dos Reis - 02.10.92.
“De
Corpo e Verde, um livro para ser saboreado com a naturalidade de um leitor apaixonado
sonhando com as belezas das noites límpidas em que a sensualidade vem na voz
quente do vento, ou com a indignação do cidadão do mundo, assistindo à
destruição da vida, como protesto se resume na desolação e no lamento de um
pregador no deserto.” J. B. Sayeg –
1992.
“De
Corpo e Verde é toda uma tecitura poética buscando integrar, em traços vivos, a
criatura humana na paisagem e esta, aflita e desfigurada, procurando aceitá-la
para a reintegração perdida. O binômio – corpo/verde – amplia esta
evidência, traz a relevo a dicotomia existente e a premente necessidade de
união, para equilíbrio de ambos e, em conseqüência, salvação da própria
humanidade.” Caio Porfírio Carneiro – 1996.
“Rosani Abou Adal já conseguiu um louvável
domínio na difícil arte de poetar. O que ela escreve não é demagogia e sim
poemas autênticos, bem estruturados e bem elaborados.” - José
Afrânio Moreira Duarte
- Linguagem Viva - nº 63 - setembro de 1995.
“Os poemas de Rosani Abou Adal são
construídos em torno do grito. É sem dúvida o que dá ao lirismo da poeta uma
espécie de impulso interior cujas forças objetivas destroem seu reino nas
regiões sensíveis da existência.” - Jean-Paul Mestas - revista Jallons , nº 30 - França.
“Grito de revolta e espanto é o saldo
poético do livro De Corpo e Verde,
angustiada expressão de telurismo saturado de agrotóxico.” - Henrique
Novak - Diário Popular - 0 4 .07.92.
“...É a arte na autenticidade de sua pureza
que enleia a autora e o leitor, formando uma unidade na compreensão e fruição
do belo, delineando os contornos da felicidade no aspecto simples da natureza
onde também o asfalto da cidade grande tem poesia.” - André
Kisil - Pan Artes, S.P., nº 12.
“De
Corpo e Verde é a prova do valor e sensibilidade nessa notável poeta. Este
livro é uma sinfonia e um canto de dor. É um chamamento à redenção, a partir do
pórtico, ante-sala da obra: ‘Esqueceste, a Natureza é linda, ainda.” - Oswaldo
Lopes de Brito - O Diário, Ribeirão Preto, 20.10.92.
“A agonia terrestre é focalizada por
Rosani Abou Adal, de maneira profunda, demonstrando em versos, em sua obra ‘De
Corpo e Verde’, que são o retrato de seu coração, que bate descompassado e
ferido ao ver a agonia da natureza.” - Nenita Navarro -
A Federação, Itu, 19.02.94.
“Estou certo de que o
nome desta jovem, irá voar pelos ares do sucesso, pois ela possui as Asas de
Vênus e está brindando o leitor com seu livro”. J.
G. Novaes – 1986.
“Neste Mensagens do
Momento, Rosani Abou Adal faz da poesia presente em cada fase, absoluta,
direta e íntegra.” Cleide Veronesi – 1986.
“Rosani Abou Adal
incursiona pela poesia neste seu primeiro livro, com a ousadia de quem já
acumulou muitas horas de vôo, pelo infinito astral da poesia. Vicente de Souza – outubro de 1986.
FORÇAS VIVAS NA PALAVRA DE ROSANI ABOU ADAL
Nelly
Novaes Coelho
No apagar das luzes de 1996, Rosani Abou Adal,
comemorando dez anos de trajetória poética, lançou um novo livro, Catedral do Silêncio,
- título que lembra um verso de Fernando Pessoa ( “O meu amar-te é uma catedral
de silêncios eleitos”) do poema Hora Absurda, no qual o poeta português invoca
a Poesia como a Grande Amada. Rosani, entretanto, oscila entre duas paixões: a
que a liga ao Amado (paixão erótica) e a que a alimenta de verdadeira vida (a
paixão poética).
A poesia desta Catedral do Silêncio é alimentada pelas mesmas forças-motrizes
que vêm dinamizando sua criação poética desde Mensagens do Momento (1986) e De
Corpo e Verde (1992). Refiromo-nos à tensão dialética, que nela se estabelece,
entre as forças positivas do erotismo (que impulsiona o ser para sua integração
no outro que o complementará) e as forças negativas da solidão (que frustra a
plenitude do ser e o aprisiona em si mesmo). Mas entre essas forças polares,
atuam as da poesia e transformam o que era negativo (a solidão e vazio do ser,
em algo positivo (a vibração existencial amorosa da auto-doação, através do ato
criador). Portanto, longe de se fechar num círculo narcisista ou egocêntrico, o
impulso de amor, na linguagem poética de Rosani, se revela abrangente: o eu, o
amado, a natureza e a poesia fundem-se numa só e funda vivência.
Estás presente no azul das pétalas,
sinto-te cavalgando sobre meu corpo.
[...]
Com a alma em êxtase me deparo
com o Gigante de Itatiaia.
Ele me observa em todas as direções,
ele me abraça de verde
[...]
O Gigante é uma bola de golfe
comparado ao nosso amor,
somos partículas de um átomo.
[...]
Estou apaixonada pela floresta,
és a clorofila, o sangue das árvores,
a energia que flui em minhas veias.
(“O Gigante de Itatiaia”)
A longa citação justifica-se aqui, na medida em que nela
temos a síntese da problemática maior da poeta: a da consciência de que Homem e
Natureza são partes essenciais do Mistério Cósmico e que ambos estão vivendo um
momento apocalíptico, acossados pelo vertiginoso progresso da Ciência e da
Tecnologia que abalou os antigos alicerces, mas ainda não encontrou outros para
substitui-los. Nesse sentido a poesia de Rosani (como a de tantos outros poetas
atuais...) é um alerta contra a progressiva desumanização do homem. Daí sua
ênfase na força existencial do Amor e do Erotismo, como um dique ao peso da
solidão-em-meio-à-multidão, tão comum na vida urbana moderna. Mas as
circunstâncias impõem a oscilação: plenitude e esvaziamento, devido à
oscilação, presença/ausência do amado. Essa oscilação de vivências atinge
também a natureza, com a qual a poeta se identifica:
Caminho entre acácias, papiros,
ébanos orientais, ciprestes e alfarrobeiras.
[...]
Percorro o leito do Nilo
montada em meu camelo alado
em busca de fertilidade,
não é época de cheias.
Minha taça está vazia,
preciso receber para dar,
sem trocas não semeio
tâmaras.
(“Fertilidade”)
A poesia fala por si: tal como a natureza, a mulher precisa
ser fecundada para dar aquilo que dela esperam. Entretanto, nem sempre essa
fecundação amorosa se cumpre. Daí a analogia do título com a atual situação do
homem no mundo. Catedral do Silêncio: título simbólico, pois, tal qual a
“catedral” foi construída para abrigar ou conter as vozes humanas que se
comunicam com Deus (e agora, neste nosso mundo que perdeu seu centro sagrado,
está se esvaziando, ficando “em silêncio”), também o “corpo” humano foi feito
para ser “morada” do divino (como dizia Santa Tereza de Jesus) ou ser espaço de
harmonia e alegria, espaço de convergência da matéria e do espírito (cujas
vozes, nestes tempos apocalípticos, vêm sendo silenciadas pela escalada
agressiva da materialidade).
A poesia de Rosani é uma das vozes poéticas que rompem o
“silêncio” e fazem ecoar na “catedral” o desejo profundo do Amor, - único gesto
que preencherá a solidão humana cada vez mais aprofundada, neste nosso mundo de
“realidades virtuais” e da comunicação veloz, no qual o homem está perdido e
sendo, sem o perceber, um novo “aprendiz de feiticeiro”: atropelado por sua
própria inteligência e conquistas materiais importantíssimas, que tornaram a
natureza e o próprio homem, dóceis e desnorteados escravos. Quando o
renascimento dos homens? Enquanto isso não acontece, a poeta fala das forças
poderosas do Amor, da Natureza e da Poesia, sem as quais o ser humano naufraga
no nada e a vida não é nada mais do que “som e fúria”, como o disse
Shakespeare.
Mas enquanto a poesia existir, nem tudo está perdido, como
Rosani o sabe muito bem:
Há momentos em que me sinto
tão forte quanto as montanhas do Tibet.
[...]
Existem dias em que me sinto
tão pequena como um átomo perdido
na galáxia,
[...]
tuas mãos não me afagam,
perdida no universo
sou o núcleo de um átomo.
(“Perdida no universo”)
E como é do “núcleo” que tudo é gerado... uma nova era já
está vindo. É a poesia que o revela...
ADAL,
Rosani Abou. Catedral do Silêncio. S. Paulo, João Scortecci, 1996.
_______________
Nelly Novaes Coelho é escritora, professora da Universidade de São Paulo e
crítica literária.
O
TEMPO INDIVIDUAL E COLETIVO EM
“CATEDRAL DO SILÊNCIO”
Marigê
Quirino Marchini
Em Catedral do
Silêncio, o pretérito, presente e futuro, em camadas poéticas que se
interpenetram, transformam o tempo finito em ressoar infinito. Os poemas
movem-se com fluidez entre o tempo real e o irreal, os sonhos, as lembranças, e
o vir-a-ser vislumbrado: a matéria poética está pronta para edificar esta Catedral.
“Percorro o Bosque
Sagrado do Olimpo, / Parthenon, Palácio Cnosso, Pórtico de Cariátides, /
Acrópole de Lindos, Templo de Apolo, / Templo de Possêidon, o Templo de Zeus, /
e assumo formas de Touro, cisne, anfitrião, / chuva de ouro para me aproximar de
ti / como fizera Zeus com Europa, Leda, Dannae e Alcmene.”
Há uma justaposição
também entre o tempo individual e o coletivo. A poeta elege o amor como seu
tema maior, mas compara essa vivência de quase êxtase às situações-limite,
tristes ou trágicas, que concomitantemente acontecem a outras pessoas, e dessa
constatação a autora extrai a tensão poética, lançando os personagens de seus
poemas ao paroxismo do absurdo existencial. “As luzes se acendem. / No salão, a
música do cravo. / Dançamos as sonatas da guerra. / As me-sas estão quentes /
com o calor de nossas mãos. / nas ruas da Reviera / mendigos morrem de frio,
fome e sede. / Nossa mesa está farta de escargot e croissants. / Dançamos mais
uma val-sa, / saboreamos café, bolo de nozes, licor de pistache / e sorvete de
passas ao rum. / Os soldados morrem nos pântanos / Sem mesas, cardápios,
talheres e licores. / Eles morrem feridos a bala, de frio, / fome e sede pela
pátria-mãe/ (...)”
A poeta está atenta ao
“outro”. Não só ao “outro” objeto do desejo amoroso, mas aos “outros”
olvidados, esquecidos, desprezados dentro de um contexto social. Nesse sentido
podemos falar que sua poesia tem em mui-tos “insights” uma clara vocação
humanista. “Tu’alma nas Muralhas da China, / teu corpo no Muro das Lamentações,
/ teu sangue nos Templos sagrados. / Teu coração, beleza de Vênus. / Estamos em
plena tempestade de amor”. (...) e “os mendigos morrem servindo as ruas
livres.”
Várias vezes a poeta
questiona, interpreta e teoriza o absurdo existencial, justificando o “estar no
mundo” como um fazer poético, que também é prece, também é participação. “Estou
tão só dentre de mim / que até as estrelas emudeceram”. (...) “Um milhão de
pessoas ao meu redor / não vejo um sorriso sequer”. (...)
A natureza, tão
presente no livro anterior de Rosani (De Corpo e Verde), em uma forma pessoal e
acentuadamente ecológica, neste último se corporifica ainda mais; a poetisa
como uma divindade mitológica veste-se do verde das montanhas e vales em sua
viagem poética, feita de lugares e ambiente os mais diversos. Compartilham os
seus sentidos tanto a altivez de Itatiaia quanto a monocromia de uma paisagem
egípcia, ou lugares e figuras que falam de suas raízes árabes. (...) “chuva de
seiva banha-me / com o frescor do orvalho. / meu corpo, cáscara-sagrada, /
árvore que germina e fecunda. / Minh’alma, lótus-sagrado-egito” (...). // “Por
ti, transformar-me-ia em supersônico / voaria os céus de nossas crenças e fés,
/ planaria sobre Madri e Damasco / para descobrirmos nossas raízes, / o nosso
sangue mouro.”
Mas nada é um
estranhamento, antes um reconhecimento de locais e situações, como se a
poetisa, em migrações poéticas sucessivas tivesse vivenciado todas as paisagens
da Ter-ra. E é dessa viagem ao imaginário que Rosani irá trazer para a sua
Catedral interior, ramos floridos e tapetes de ervas. Interioriza toda a beleza
terrestre em variados tons e a leva para as arcadas, para os vitrais, para os
pórticos de sua Catedral. “Almejo minha fertilidade / dos tempos das cavernas,
vilarejos, / castelos, fazendas de engenho / “ (...) “Sou uma camponesa
colhendo / tâmaras, pistache, / misk e snôbar. / Não sinto frio, teu corpo me
aquece. / Somos sementes florescendo nos campos.”
E o silêncio ai, então,
são as mil vozes que Rosani recolheu da Nature-za participante, que
sintonizadas fazem uma pausa, ou um vibrante “staccatto” para a meditação e a
aura da poesia. “Fertilidade: Caminho entre acácias, papiros / ébanos
orientais, ciprestes e alfarrobeiras. / Admiro a beleza dos falcões, águias,
cotovias e poupas. / Percorro o leito do Nilo / montada em meu camelo alado /
em busca de fertilidade, / não é época das cheias. / Minha taça está vazia,
preciso receber para dar, / sem trocas não semeio tâmaras/”.
Catedral do Silêncio,
Rosani Abou Adal, João Scortecci Editora,
São Paulo, SP, dezembro 96.
Rosani Abou Adal, filha de Simaan Antoun Abou Adal e Maria
Massabki Abou Adal, nasceu em São Paulo em 17 de janeiro de 1960. Formada em
jornalismo e publicidade e propaganda pela Faculdade de Comunicação Social
Cásper Líbero. Colabora atualmente na imprensa, sendo fundadora e diretora do
excelente jornal literário Linguagem Viva, juntamente com Adriano Nogueira.
Publicou os livros de poesias Mensagens
do Momento, De Corpo e Verde e Catedral
do Silêncio (Prêmio Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores do Rio
de Janeiro).
Além de colaborar com poemas e crônicas na imprensa brasileira, já teve
trabalhos traduzidos no exterior nas revistas Rimbaud, Jallons (na França) e The
Poet (nos Estados Unidos). Em Portugal tem poemas publicados nas
antologias, bilingüe francês e português, Um
Mundo no Coração e Reflexos da
Poesia Contemporânea no Brasil, França, Itália e Portugal, organizadas por
Jean Paul Mestas, Universitária Editora de Lisboa.
É membro da Academia de Letras de Campos do Jordão.
Tem verbetes no Dicionário
de Mulheres, de Hilda Agnes Hüsner Flores, no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, de Nelly Novaes
Coelho, e na Enciclopédia de Literatura
Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza.
1-
Existe
ou não uma Literatura Feminina?
A Literatura Feminina sempre existiu apesar de ter ficado um
longo período na geladeira e as escritoras no anonimato e na sombra dos
homens. Após esta lacuna vazia na
história das nossas letras, as mulheres vêm se destacando na história da
literatura brasileira e universal. Elas estão aprimorando técnicas, codificando
novas linguagens e conquistando espaço no mercado editorial. Conseguiram se
impor na sociedade e a literatura feminina alcançou novos horizontes.
2 – Você escreveu livros com belos poemas de
cunho ecológico. O que você pensa sobre a ecologia?
A ecologia é tudo dentro da universalidade do tema. A minha obra
é lapidada de ecologia porque essa é a
minha verve poética. O que é anti-ecológico?
Respondo que tudo o é. Não
existe nada mais anti-ecológico que a fome matando milhares de seres humanos na
Terra. A devastação da própria espécie, do meio-ambiente, dos animais, da vida,
do amor e da alma são anti-ecológico. Não basta apenas lutar e erguer bandeiras
em prol da ecologia, pois temos que despoluir a mente dos homens e
principalmente daqueles que governam todas as nações do planeta. O nosso
planeta caminha lentamente para uma devastação irreversível gerada pela
insensatez humana. Com toda a tecnologia disponível não investiram em técnicas
sadias ao meio ambiente para se gerar novas energias. Cada vez mais é produzido embalagens em spray (aerosol) que
afetam a camada de ozônio. O pulmão do planeta é atômico-nuclear em
conseqüência dos milhares de lixos atômicos produzidos, dos vazamentos de óleo
nas águas marinhas, das armas químicas, dos agrotóxicos, dos mísseis, dos
degradáveis, do gás carbônico produzidos pelos veículos de transporte e das
usinas nucleares. A vida, o homem, a
ecologia e o planeta merecem ser tratados com mais dignidade.
3 – Como surgiu a feliz idéia de fundar o jornal Linguagem Viva?
Linguagem Viva foi
fundado em setembro de 1989 por mim e Adriano Nogueira. A idéia surgiu porque
queríamos fazer algum agito no meio literário, que estava muito parado. Numa
sexta-feira, tomando chopinhos no restaurante do Boulevard Hotel, na Avenida
São Luís, em São Paulo, decidimos fazer um jornal de literatura. Adriano nessa
época morava em São Paulo e nos fins-de-semana em Piracicaba, sua terra natal.
Na segunda-feira retornou de lá com a notícia de que estava tudo certo para a
impressão do jornal e que havia conseguido até uns anunciantes. Então fizemos a
primeira reunião de pauta com um grupo de aproximadamente vinte pessoas. Na
segunda reunião o grupo ficou reduzido à metade e na terceira em apenas nós
dois. Não desanimamos e arregaçamos as mangas para trabalhar. A idéia era algum
nome com a palavra viva e numa reunião com o departamento de criação da Agência
de Propaganda Integrada surgiu o nome Linguagem Viva. O jornal nunca
interrompeu a periodicidade nos seus 14 anos de circulação mensal.
4 –
Você é filha de pai e mãe sírios. Houve alguma influência da cultura oriental
em sua poesia?
A Cultura Árabe e Oriental influenciaram muito a minha poesia porque
o sangue que corre nas minhas veias é árabe. Sou uma espécie de beduína
tropical, um misto de deserto, matas atlânticas e sertão. A cultura e os
costumes árabes estão presente na minha obra, principalmente no livro Catedral do Silêncio em que a linguagem
metafórica é voltada para as minhas raízes. É uma busca do amor e encontro do
mesmo no poema Fertilidade. Montada em meu camelo alado encontro o
amor nos Montes Líbanos, que estava a
me esperar segurando firme nas mãos a taça da fertilidade.
5
- Qual o livro de poesia de outra
autora que você gostaria de haver escrito?
Estou feliz com os livros que já escrevi. Não quero ser igual a
ninguém e nem mesmo escrever o que os outros já escreveram. O que pretendo é
evoluir cada vez mais e aperfeiçoar a técnica, a linguagem poética e
transcender a própria poesia dentro da minha estética. No Brasil existem muitas
poetas de qualidade que têm obras que aprecio e já li mais de uma vez porque
entraram na minha alma e ficaram dentro de mim. O difícil de citar nomes é
esquecer de algum importante. Por esta
razão fica um parêntese em aberto.
6 –
Parece-lhe que a poesia tem de ser engajada politicamente?
Penso que o engajamento político é uma seqüência natural. A partir
do momento em que o poeta escreve sobre a realidade que ele transcende, a sua
obra obviamente terá um cunho político de fundo. Afinal vivemos num mundo em
que existem abismos na desigualdade social, onde os poderosos ditam as suas
regras mesmo que para isto tenham que matar e devastar a sua própria
espécie. O engajamento político é o
espelho do mundo em que vivemos. O poeta mesmo não fazendo o uso de uma
linguagem de cunho político propriamente dito, o seu trabalho automaticamente
será engajado politicamente e a metáfora da linguagem vem protestar contra as
desigualdades e as insatisfações com a maneira de ver o mundo. O discurso
poético direta ou indiretamente é entre aspas fruto de um engajamento político.
7 –
Como encara a preocupação com formas inovadoras usadas nos poemas? Tais formas
afastam a verdadeira poesia?
As formas inovadoras atualmente desenvolvidas por poetas modernos
trazem faces novas da verdadeira poesia. O poetas modernos estão criando novas
linguagens e estilos que estão dando mais vigor à poesia. O mundo está mudando
a cada segundo e temos que acompanhar essa evolução com uma linguagem poética
moldada à realidade que nos cerca. Temos que pensar nas próximas gerações que
estão por vir. Todo artista que cria formas inovadoras geralmente não é
compreendido na sua época e só irão entendê-lo posteriormente. Os poetas ainda
têm muito que evoluir em se tratando de linguagens e técnicas poéticas para que
sua obra se perpetue no tempo.
8 – As Academias de Letras estão ultrapassadas?
Estão totalmente ultrapassadas assim como inúmeras entidades
existentes. O pensamento acadêmico é retrógrado, atende às necessidades
políticas e não à arte. As academias precisam evoluir para acompanhar as
mudanças do mundo. A participação das mulheres ainda é insignificante diante do
universo literário feminino. Algumas abrigam medalhões competentes na sua área
de trabalho. Em outras o que impera é o preconceito racial. Isto tem que mudar
para se assumir uma e postura condigna com a realidade.
Este
livro de Rosani Abou Adal, dividido em segmentos, conforme a abordagem temática
dos poemas, guarda aquela conhecida homogeneidade criadora da poeta, tão
sutilmente lírica, que já a consagrou
perante a crítica e o público.
Tudo
que nasce do talento de Rosani é a um tempo perquirição interior e observação
aguda da vida; vibração de amor, do instante erótico à sua contemplação quase
divinatória; integração da própria alma à Alma da natureza e das coisas, em
alcance ecológico que resiste e denuncia o vezo destruidor do homem; clamor de
liberdade, no seu sentido mágico e viageiro, que a leva a outras plagas, como à
procura de uma unção plena com o próprio universo; vibração do seu carma, seu id e ego maiores e
inconscientes, em procura das suas raízes ancestrais, tão vívidas, como se ela
própria se envolvesse num tapete mágico para uma visão e vivência amiga junto
ao Nilo e às pirâmides do Egito.
A
poesia de Rosani Abou Adal, toda ela, das curtas às maiores, é igualmente um
espelho de duas faces, para além do que possa ela ter de multifacetada: é
fotográfica e contemplativa. Ou seja: é ela mesma, poeta, e a projeção de si,
não com vistas a uma imponderável continuidade da própria vida, mas um quê de
busca do amor totalizante, que é, ou há de ser, a solidão somada às
inquietações do mundo. O amor, aqui, é erotizante e dadivoso. A solidão, aqui,
não se anula em devaneios. Há sempre um caminho de fuga. Rosani, ao mesmo tempo
que expõe e mostra, contempla, sublima, vai e vem, mas sem tergiversação.
Presa no meu dormitório
tento dividir a solidão com o peixe
cercado de paredes de vidro.
Auto-retrato,
um dos segmentos, não é só a visão e confissão de si própria. Soma-se a isto o
que antes foi exposto na abordagem da sua poesia em conjunto.
Estou tão só dentro de mim
que até as estrelas emudeceram.
A
metáfora estelar assinala a solidão sofrida e lhe dá o anteparo para
que ela, poeta, por mais que se veja só, deixe entreaberta uma visão plena de
vida. É que, por outro lado, o seu veio romântico é forte, chegando, às vezes,
àquela fulguração só alcançada pelos bons poetas.
Todos
os blocos seguem este ritmo notável
de contensão e espiralação poética. Como ela própria diz: “Sou uma eremita que divaga nas ruas, / bares, matos, casas, em todos
os lugares/ nos dias sem sol, nas noites sem luar e estrelas/ em busca das
belezas da vida e da alma.”
Rosani
parece solfejar canções, espargir oferendas, com a mesma leveza d’alma como vai
à denúncia com o aríete e o látego. Há um pouco de magia nisto. Há um pouco de
mistério invisível nestes poemas. Há um pouco de prece. Há uma totalização de
vida.
A
Vida exsurge plena nestes poemas de
versos notáveis, treliçados de Amor
latejante:
No amanhecer, ao meio-dia,
no entardecer, no silêncio da noite,
a todo instante, a cada segundo
beijo tua face, mãos, boca...
E
da fragilidade vai em busca da força cósmica:
Há momentos em que me sinto
tão forte quanto as montanhas do Tibet...
Existem instantes em que sou
tão grande quanto a força divina...
Temos,
nesta Catedral do Silêncio, não só
silêncio ( no seu sentido metafórico), nem só sonhos (como sugeriu o Poeta),
mas uma nave ampla de pulsações poéticas que vão à alma de qualquer leitor.