Cyro de Mattos
Anda, o troco
certo do menino.
- Como, seu
guarda?
- Como...
agorinha mesmo... na delegacia....
- Eu juro que dei
o troco certo.
- O delegado é um
moço muito competente e valente.
- Eu juro.
- Jura o quê?
- Tenho mais de
vinte anos de barraqueiro nessa feira...
- E daí?
- Todo mundo é
sabedor que sempre vendi as coisas e nunca botei minha mão no bolso alheio.
- Taí, essa é uma
historinha que o delegado vai gostar de ouvir.
- O senhor não
acredita?
- O delegado não
é homem de muita conversa e gosta muito
de uma coisa acima de tudo: Justiça!
- Acredite em
mim, seu guarda.
- Acreditar o
quê?
- O senhor não
viu que o choro daquele menino lá na feira foi pra fazer cena?
- Você não tem
coração não?
- Claro que tenho.
- Não tem
vergonha não?
- Aquele menino é
muito sabido, está acostumado a fazer daquelas cenas lá na feira pra tirar
proveito.
- Vejo que o caso
é mesmo para o delegado resolver.
- Eu já disse que
dei o troco certo ao menino.
- Asseguro-lhe
que o delegado tem um especial prazer em tratar de casos como esse.
- Eu juro pela
alma de minha santa mãe.
- O delegado
nesses casos nunca falhou uma vez sequer com sua palmatória de dois quilos,
- Estou inocente.
- Como é? Vai
botar esse dinheiro pra fora ou não vai?
- Seja camarada,
seu guarda.
- Vamos logo!
- Calma, seu
guarda, não precisa apontar esse revólver pra cima de mim.
- Eu sabia que
você não ia ficar com o troco todo pra você, não é mesmo?
- Claro, seu
guarda, as coisas ficam melhor assim.
- Agora vamos
repartir o dinheiro.
- E o menino?
- Quê menino!
Ninguém precisa saber.
O guarda e o
barraqueiro retornam para a feira nesses passos antigos. Há neles o equilíbrio
perfeito de gestos passando na manhã sem qualquer sinal de remorso. Não há qualquer
preocupação com ventos que sopram notas agudas ferindo a cega lei da vida.
Caminham em terreno conhecido onde não existe
qualquer espécie de peso ou algum poço escuro.
Lado a lado. Ares
tranqüilos.
Como se nada de
mais houvesse acontecido.
Cyro de Mattos é
escritor e crítico literário.