Edições

Notícias

ATÉ QUANDO, JUDAS?

Dúvidas da Nossa Língua

Visão Felin(i)a(na) Disseca a Realidade

Rodolfo Konder

Editorial

Página Inicial

Isto o jornal não conta

UM OLHAR PARA A CULTURA BÚLGARA

Livros

Gerardo

 

A Consciência dos Homens

 

Cyro de Mattos

 

 

Anda, o troco certo do menino.

- Como, seu guarda?

- Como... agorinha mesmo... na delegacia....

- Eu juro que dei o troco certo.

- O delegado é um moço muito competente e valente.

- Eu juro.

- Jura o quê?

- Tenho mais de vinte anos de barraqueiro nessa feira...

- E daí?

- Todo mundo é sabedor que sempre vendi as coisas e nunca botei minha mão no bolso alheio.

- Taí, essa é uma historinha que o delegado vai gostar de ouvir.

- O senhor não acredita?

- O delegado não é homem de  muita conversa e gosta muito de uma coisa acima de tudo: Justiça!

- Acredite em mim, seu guarda.

- Acreditar o quê?

- O senhor não viu que o choro daquele menino lá na feira foi pra fazer cena?

- Você não tem coração não?

- Claro que tenho.

- Não tem vergonha não?

- Aquele menino é muito sabido, está acostumado a fazer daquelas cenas lá na feira pra tirar proveito.

- Vejo que o caso é mesmo para o delegado resolver.

- Eu já disse que dei o troco certo ao menino.

- Asseguro-lhe que o delegado tem um especial prazer em tratar de casos como esse.

- Eu juro pela alma de minha santa mãe.

- O delegado nesses casos nunca falhou uma vez sequer com sua palmatória de dois quilos,

- Estou inocente.

- Como é? Vai botar esse dinheiro pra fora ou não vai?

- Seja camarada, seu guarda.

- Vamos logo!

- Calma, seu guarda, não precisa apontar esse revólver pra cima de mim.

- Eu sabia que você não ia ficar com o troco todo pra você, não é mesmo?

- Claro, seu guarda, as coisas ficam melhor assim.

- Agora vamos repartir o dinheiro.

- E o menino?

- Quê menino! Ninguém precisa saber.

O guarda e o barraqueiro retornam para a feira nesses passos antigos. Há neles o equilíbrio perfeito de gestos passando na manhã sem qualquer sinal de remorso. Não há qualquer preocupação com ventos que sopram notas agudas ferindo a cega lei da vida.

 Caminham em terreno conhecido onde não existe qualquer espécie de peso ou algum poço escuro.

Lado a lado. Ares tranqüilos.

Como se nada de mais houvesse acontecido.

 

Cyro de Mattos é escritor e crítico literário.