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O Desnorteante Enigma

 

Caio Porfírio Carneiro

 

Amílcar Dória Matos é escritor consagrado na prosa de ficção. Domina, com total segurança, o romance, a novela e o conto. Conhece os segredos da arte escrita. O seu talento é notável e personalíssimo. Dono de um como dizer límpido e sem falsos brilhos. O tipo do ficcionista sedutor e simples sem ser fácil.

Este livro – O Caçador, romance, Recife, 2005 – é mais uma prova das possibilidades e riquezas ficcionais de Amílcar Dória Matos. Romance de mistério ou novela psicológica? Na própria contra-capa do livro vem esta interrogação. A obra bordeja isto, como bordeja a reportagem, o policial, a aventura. Pode se descobrir nele até traços de alegoria. Aproxima-se de muitos caminhos formais da didática ficcional, mas não cai em nenhum deles. Não cai porque o ponto central, a viga mestra, a espinha dorsal da história, apesar dos muitos despistes, é a tensão e o enigma, que se tornam meio diluídos nas conversas descontraídas com esta ou aquela personagem, nas refeições saborosas, nas boas bebidas, nas descrições de paisagens urbanas no Brasil e fora dele, mas presentes como uma luz fugidia a ser alcançada.

Vê-se bem que o autor, nessa espécie de jogo escorregadio, conduz o leitor para aparentes becos sem saída e dá até a impressão de que tudo terminará numa farsa, particularmente quando o narrador-personagem Alcimar Falcão (Alcimar: anagrama de Amílcar?) vive a vida envolvente e pulsante das noites novaiorquinas. Porque o caçador é de fato caminheiro.

Do ponto de partida, em Recife, para encontrar a bela Diana, a enigmática Diana, a pedido do esposo amigo e doente, Alcimar, advogado e detetive, traça um roteiro que parece furos n’água. Mas Alcimar, embora não pareça, é paciente e determinado. E nesse quase “périplo terrestre e em vôos comerciais” vêm ao vivo personagens e muitas conversas plenas de interrogações mudas e descontraídas, outras nem tanto, o lado psicológico sempre subjacente (o olho vivo do caçador), aumentando, a cada passo, a curiosidade do leitor, porque o enigma continua lá, irrevelado e vivo.

A história é envolvente, e esta “roldana” de buscas para encontrar a bela Diana caminha para o epílogo, que traz consigo uma certa perplexidade, arma (uma a mais) poderosa do autor.

Obra una e meio difusa; objetiva e fugidia; filme em preto e branco e paisagens coloridas. Dizer que é um livro belo, maravilhoso, notável e etc., é somar adjetivos que somam nada. Isto aqui é o que se chama de arte escrita. Ela vale por si. Tudo dentro e ao correr da história é de fino trato. Quaisquer das personagens, das principais às secundárias, e as que aparecem elipticamente, vêm a relevo numa dimensão quase palpável.

O enigma deste livro é tão pulsante que até o beijo final transmuda o que parecia “decifrado” em enigma maior, de desnorteamento psicológico arrebatador.

Dizer o que mais de O Caçador? Lamentamos que uma obra deste porte, de um escritor com tal potencialidade criadora, tenha alcance tão limitado nos meios literários do País. Este escritor nada deve a ninguém para merecer um lugar lá em cima. Apesar de conhecido e aplaudido nas rodas literárias, uma boa divulgação do livro poderia levá-lo a círculos mais amplos, para que vejam que no Brasil também surgem obras assim como esta.

Querem uma prova? Leiam o livro, Isto bastará.

Caio Porfírio Carneiro é escritor, crítico literário e secretário administrativo da União Brasileira de Escritores.