1. A UBE-União Brasileira de Escritores
organizou um debate sobre o tema epigrafado, acontecido no auditório Antonio
Resk do IPSO-Instituto de Pesquisas Sociais
e Organizacionais. Ipso facto, transcrevo, ipsi literis, a
seguir, o material preparado para a ocasião mas que, em decorrência do pouco
tempo disponível para gravação e da falência múltipla dos órgãos, aqui do
palestrante, não pôde ser integralmente aproveitado. Tentamos abordagem lógica,
ontológica e epistemológica, conforme propunha Rosenfeld.
Todos nos espantamos com a forma veloz com que incorporamos o
computador em nosso quotidiano. Evidentemente que não é moda, embora tenha
algumas de suas características, pois todos querem possuir, os que já estão
envolvidos exibem com orgulho as inovações conseguidas, olha-se com desdém e
até algum desprezo ou, pelo menos, com comiseração àqueles que estão ainda fora
desse mundo, excitante por natureza
Mas espantosa, ainda, é a facilidade com que os jovens, já
desde a pré-adolescência, invadem o moderno mundo da informática, apreendendo
com rapidez seus signos e métodos, freqüentemente superando os adultos que,
muita vez, deles se socorrem. Não, não é por acaso. A essência mnemônica do processo de aprendizado da
micro-computação ocorre com mais facilidade nos virgens lóbulos do cérebro
infantil. Sem dúvida não é somente por tal razão. Mas parece lógico.
Desde há muito se estuda a relação entre
pensamento e linguagem, tendo sido, hoje, já demonstrado, que fala e pensamento
têm raízes diferentes.
A criança desenvolve o pensamento com mais
rapidez do que aprende a linguagem.
Esta, desde logo, assume característica de linguagem conceitual. Isto é,
a criança não fala, mas percebe. Não diz, mas consegue entender, não sabe
narrar, mas compreende. Sua abordagem é
conceitual. O desenvolvimento da fala representa a supressão do egocentrismo
natural na criança. A natureza tende a ser virtual, de certa forma. Ora, já foi
dito que dominando a natureza, dominamos a nós mesmos.
O homem, em sua relação com o real, é
moldado pelos instrumentos e ferramentas que usa e se nem a mão e nem o
intelecto prevalecem por si sós, os instrumentos e seus produtos podem ser
entendidos como fluxos em desenvolvimento da linguagem interiorizada e do
pensamento conceitual, que algumas vezes caminham paralelamente e às vezes
fundem-se, um influenciando o outro.
O microcomputador é a oportunidade de
apreensão do mundo conceitual, reconstrói o
mundo real por meio de verdades virtuais, com a vantagem de que
finalmente se revela um meio prático de unir lazer e ação, juntando o lado
lúdico e o lado produtivo.
É claro que os mais jovens foram os que
melhormente fazem essa fusão ao ingressarem no crescente segmento de usuários
do universo da informática, moderno dispositivo medial que consegue, repito,
fundir conhecimento com lazer, aprendizado com prazer.
E para nós, escritores, o tema se nos
afigura como da maior relevância, além de instigante, desafiador e sobretudo
por percebermos que esse mundo digital vai interferir diretamente em nossa
atividade de recriação da realidade.
Sim, de fato não é uma moda, pois veio para
ficar, mesmo a gente sabendo que as práticas intelectuais de cada geração
jamais se constituem em um indicador do futuro, ao contrário, estão destinadas
a uma mui provável extinção.
Como ocorreu no nosso curtíssimo passado
histórico e no infinitamente longo futuro que se coloca à nossa frente, é
provável que as maiores e mais brilhante inovações de todos os tempos ocorridas
na sociedade estejam à nossa frente e não às nossas costas. Essas descobertas,
que transformam a vida, na verdade não podem ser previstas: se pudéssemos
prevê-las hoje, nós já as teríamos e não seriam o futuro, conforme bem observou
Bryan Maggie.
Assim a perspectiva para a facilitação da
vida, em nossa sociedade, é auspiciosa. Embora tenha tantos usos práticos, seu
valor supremo não reside em nenhum deles, mas no que ela é em si mesma. É
possível que dentro dos confins de nossas limitações nunca venhamos a poder
encontrar as respostas às nossas perguntas mais fundamentais.
2. Sem dúvida, há duas formas de abordagem do
tema epigrafado e ambas têm como variável básica tempo.
A CURTO/MÉDIO PRAZOS:
Nesse primeiro momento aquilo que se nos
afigura como problemático é o que diz respeito ao Direito Autoral, onde tudo se
modificará ou já está de modificando.
No Brasil poucos são os que ganham algum
dinheiro com seus livros, de maneira que esse grande problema não vai afetar
muito.
Nossos autores querem mesmo é ser lidos e
se a presença do texto nos meios eletrônicos for uma garantia de visibilidade,
tanto melhor. Embora não exista ainda
esse hábito, não acredito que ele venha a substituir de forma definitiva o
texto impresso, pelo menos a curto/médio prazo.
Não interfere na temática, a não ser quando
ela mesmo é objeto de uma narrativa qualquer, pois o tempo, esse sim, que é a
variável independente, a variável básica, já traz ou propõe novas abordagens.
Não interfere necessariamente na técnica,
na construção do texto literário em sua estrutura, nas descrições ou nas
narrativas. Não estou falando da questão operacional, tipo facilitação de
trabalho, na tradicional relação que se liga à produção artística entre
inspiração e transpiração. Possivelmente venhamos a suar menos.
Não interfere decisivamente no vernáculo.
Talvez um pouco, pela incorporação de flexões na língua, pelos neologismos,
incorporando o linguajar dos internautas, mas sabemos hoje, sentimos agora,
que com isso far-se-á má literatura.
Pelo menos, do jeito que a entendemos hoje, com as características que
aprendemos a dar enorme peso de valor.
A MÉDIO/LONGO PRAZOS:
Quando deixamos de escrever a mão e
passamos a usar a máquina de escrever, o que mudou? Testemunhos já
desaparecidos no tempo diziam que teria sido uma revolução e, como sempre, teve
uma expansão inicialmente lenta, com muitos escritores, romancistas, poetas,
etc., relutando muito em entrar no novo mundo. Por que nós achamos que, desta feita, deverá haver alterações
substanciais? Antecipo uma resposta: trata-se de uma ruptura tão profunda, com
a incorporação da imagem e da velocidade de uma forma jamais antes pensada e
que ainda não se consolidou, achando-se todavia em processo.
Disse Vilém Flüsser, de quem retiramos as
principais idéias que se seguem, teria havido quatro eventos cruciais na
história do ocidente que permitem captar a fenomenologia do espírito
ocidental.
Assim é que com as primeiras imagens
articulou-se a imaginação; com os primeiros textos articulou-se a conceituação;
com os primeiros impressos a conceituação vai dominando a imaginação e com as
primeiras fotos vai surgindo a imaginação nova.
Haveria uma contradição entre o gesto que
produz imagens e o gesto que produz textos.
Segundo o mesmo Flüsser, todo o
processo começa em Lascaux (cerca de 20
mil anos) e avança até os primeiros textos alfabéticos (metade do segundo
milênio AC) e daí aos primeiros impressos (metade do segundo milênio DC),
seguindo-se até a primeira foto (metade do século XIX) e segue para o
imprevisível. De toda a maneira, o
predomínio crescente da imagem é um fato irreversível. A imagem dispensa o
código alfabético ou reduz sua imprescindibilidade. Ou seja, um possível
abandono do alfabeto, enquanto código ultrapassado, é uma coisa que se
vislumbra e terá conseqüências profundas.
Essa coisa moderna sinaliza a
preponderância da imagem. Ou seja, o real antes revelado, copiado, agora cede
lugar a outro real, o virtual que já é por si a própria criação.
Ao incorporar a imagem de forma tão
facilitada e a maneira com que o conceito é apreendido com essa imagem, ao se
perceber que ela representa o mundo, altera substancialmente todo o processo da
comunicação de idéias.
Disse Flüsser que o propósito do pensamento
conceitual no contexto da consciência histórica era o de criticar imagens, ao
transcodificar imagens em conceitos. Imagem é visão tornada intersubjetiva.
Ora, com a atual inversão da dialética texto-imagem, graças à qual doravante o
pensamento conceitual vai servir para a produção de imagens, tal engajamento
nosso com relação ao clássico conceito
de literatura passa a ser inoperante.
Ou seja, o futuro da literatura, conforme a conhecemos e a praticamos é
obscuro e nós somos uma espécie em extinção. O único consolo que temos é o de
que não estaremos mais por aqui para experimentarmos a nossa dinossaurização.
Hersch
W Basbaum é escritor, publicitário e diretor da União Brasileira de Escritores.