Sobre um Ensaio e uma Literatura Esquecida
Nildo Carlos Oliveira
Há livros
tão rapidamente esquecidos, que não chegam a esquentar lugar na memória da
Literatura. E, no entanto, muitos deles têm lá seus méritos histórico ou
documental, a exemplo de O Terceiro Instante – um ensaio sobre a ficção de
Ibiapaba Martins, de autoria de Roberto de Paula Leite.
Publicado
em 1983 pela Livraria Pioneira Editora de São Paulo, e estruturado segundo uma
rica bibliografia, preserva a coerência crítica de um autor que obtivera, por
conta de obras anteriores, o reconhecimento de Álvaro Lins, Cruz Costa,
Agrippino Grieco, Leonardo Arroyo e outros nomes que são referências nas letras
nacionais. Apesar disso, O Terceiro Instante não fez história e não há
informação de que venha sendo objeto de consulta, sequer pelos interessados
mais diretamente envolvidos nas pesquisas do que fazer literário.
O ensaio
abarca o conjunto da obra do romancista nascido em Botucatu em 1917 (ele viria a falecer em 1985), e cuja intenção
seria compor a saga paulista do ciclo do café, temática recorrente, que ele
explorou em romances tais como Falam os Muros da Cidade, Sangue na Pedra,
Bocainas do Vento Sul, Noites do Relâmpago e A Flor e o
Estandarte. Todos, mas de modo acentuado Bocainas do Vento Sul e Noites
do Relâmpago, ancoram-se na crise cafeeira que teve reflexos predominantes,
a partir das grandes fazendas, na vida urbana do interior e da Paulicéia,
afetada com o desdobramento da revolução de 30 e com a derrota paulista em
1932. Foi este último romance - Noites
do Relâmpago - que levou o escritor a conquistar o Prêmio Jabuti, da
Câmara Brasileira do Livro, em 1968.
Paula
Leite documenta o “instante” de Ibiapaba, expresso em muitos anos de intensa
atividade jornalística e literária, marcada pela coragem política à frente da
UBE no período de maior afronta à sociedade por parte dos responsáveis pela
ditadura de 64. Três palavras deram relevo aos documentos da UBE naqueles
tempos: cultura, liberdade e democracia - “elementos que não se separam e um
não pode existir sem que os demais subsistam”.
O ensaio
relaciona o pensamento de Wilson Martins sobre o romance Sangue de Pedra,
quando o autor da História da Inteligência Brasileira disse que Ibiapaba
pretenderia, com essa obra, “voltar atrás e repetir os maus romances sociais
que se publicaram na década de 30”.
Todos os romances de Ibiapaba (um dos Perfis de Memoráveis de
Caio Porfírio Carneiro – RG Editores - 2002) expunham, sem retoques, a face
comunista do autor, o que levava ao divisor de águas representado pelo
maniqueísmo de que o acusavam.
É
ilustrativo, nesse viés, o trabalho de Geraldo Ferraz sobre o livro Falam os
Muros da Cidade “no qual existe apenas um pretexto para uma frágil
argumentação do autor, frisando a sua adesão a esse falatório dos muros da
cidade”. Segundo ele, faltava ao romance “profundidade no tratamento da
realidade social”. Diferentemente do que pensava o historiador e crítico Nelson
Werneck Sodré, para quem o romance, publicado pela Brasiliense em 1950, estava
“muito distante do muro de Sartre e de todos esses muros do conformismo que por
aí andam, do pessimismo de fim de cultura, da angústia amarga e da
desesperança, da frustração e do tédio da vida não ser aquilo que eles
desejariam que fosse”.
O ensaio de Paula Leite, embora aparentemente organizado às
pressas, traz outros valores documentais: o quadro da imprensa da época
(Ibiapaba foi um dos primeiros sócios do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado de São Paulo), lembrando, dentre outros profissionais,
os nomes de Samuel Wainer, Josimar Moreira, Nabor Cayres de Brito, Eugênio
Gertel e Hideo Onaga, e o ambiente no qual Sérgio Milliet, Quirino da Silva,
Luís Martins, Luís Washington Vita,
José Geraldo Vieira e Paulo Dantas
construíam obras representativas daquele “instante” da Literatura e da
crítica brasileiras.
Hoje, observando
o trabalho do historiador e crítico, que publicou estudos sobre Silva Jardim,
Camus e Luckács, e que dedicou muito de seu tempo ao exame da obra de Ibiapaba
Martins, vejo que há uma lacuna no tempo: a ausência completa, até em sebos,
dos livros do romancista. À margem da polêmica que ele suscitou, seus romances,
considerados envelhecidos, seriam importantes, atualmente, para uma avaliação
do que efetivamente significaram no conjunto da literatura da época. Nesse
sentido, concordo com o pensamento de Tassilo Orpheu Spalding, inserido no
livro de Paula Leite, de que Ibiapaba Martins “merece maior atenção”, na
perspectiva de que o tempo venha a lhe fazer justiça. Até aqui, ainda não fez.
Nildo
Carlos Oliveira é escritor crítico literário e jornalista.