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Geografia da Literatura Brasileira Hersch Basbaum Em que medida a geografia, o espaço ou a terra permeia a obra de um
autor com matizes próprias? Manifestações independentemente de estilo,
mas como expressão dos fatores sociais, culturais específicos - mutáveis -
sem prejuízo das qualidades humanas permanentes. Anos atrás uma
editora de São Paulo lançou um livro de contos - supostamente o primeiro de
uma série que acabou não se completando - com o nome Assim Escrevem os Paulistas, no qual
reunia cerca de duas dezenas de escritores da paulicéia desvairada. Lembro-me de ter lido os contos todos e
pude, à época, comentar sobre sua desigualdade no tocante à qualidade dos
trabalhos publicados, na qual a platitude era a
característica mais evidente. Mas uma coisa,
entretanto, chamara a minha atenção desde logo: afinal, o livro
respondia a questão que ele mesmo se colocara, isto é, teria mostrado
realmente como escrevem os paulistas? A
proposta do trabalho que queremos desenvolver –e aqui, neste espaço,
apresentamos
sua descrição mais geral - vem a ser
identificar e dar à luz às características mais marcantes que permitem a
classificação da origem do autor. Nesse sentido o nosso
trabalho se propõe a procurar um denominador comum e, se for o caso, um
regular caráter, mesmo que às vezes pareça absolutamente contraditório, mas
salientando o essencial, designando o eixo comum, o elemento unificador do
conjunto de escritores não necessariamente nascido, mas militando no espaço
geográfico em questão. Na verdade, buscar,
identificando, o weltanschauung, ou
visão de mundo, ou seja, uma estrutura
mental coletiva específica a certos grupos sociais geograficamente definidos.
Tal estrutura mental pode concretizar-se, expressar-se em domínios culturais
diversos, como a literatura e em outras artes. Na definição
analítica dessa visão de mundo que
vamos tentar esboçar, poderão ser experimentadas algumas abordagens
dentro de certa lógica formulada em nível de genericidade,
o bastante para compreender os traços comuns que supomos serão encontrados
entre os diferentes autores. Bem, no caso
específico de tal livro, a pergunta suscitaria um outro questionamento: ora,
se nem todos os contistas ali presentes eram realmente paulistas, mas apenas
moradores de São Paulo, poderiam eles representar a cidade ou o estado em
referência? Ou tudo se
circunscreveria ao nível da linguagem? Machado de Assis,
Lima Barreto, Marques Rebelo e Nelida Piñon possuem, em suas obras algum traço em comum por
terem, todos eles, nascidos no Rio de Janeiro? E os “cariocas” Clarice
Lispector, Nelson Rodrigues e Rubem
Fonseca? Supostamente Mario
de Andrade, Oswald de Andrade e Alcântara Machado terão fortes traços
paulistas, que talvez não sejam encontrados, com a mesma clareza, em Afonso Schmidt, Dinah
Silveira de Queiroz ou Lígia Fagundes Telles.
De toda maneira, que traços seriam esses? Uma primeira
abordagem, ainda que perfunctória, jogou-me uma curiosa tese: até a primeira
metade do século haveria claramente uma literatura paulista (uma soberba mal
disfarçada, uma força emergida da terra com forte poder de comunicabilidade,
a própria terra como personagem), a qual, entretanto, ter-se-ia afogado no
turbilhão de influências culturais diversas decorrente
da extraordinária corrente migratória que afluiu para a capital bandeirante,
de tal sorte que nota-se nos escritores atuais – que militam em São Paulo –
um comprometimento maior com o tempo do que com o espaço. Com certeza, algo a
ser verificado. A mineirice de Guimarães Rosa é encontrada em outros
autores das Gerais? Os mineiros Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos,
Fernando Sabino e outros, poderiam ser arrolados como cariocas? Ou mineirocas, apodo criado por aquele crítico mais azedo. No caso do Rio de
Janeiro –que temporariamente foi o
Estado da Guanabara-, por exemplo,
poderíamos adiantar aqui uma tese, a ser demonstrada, centrada no
elevado índice de urbanização que marca fundamente a sua expressão cultural,
de tal sorte que não pôde ser percebido e não é encontrado, em seu universo
literário, nenhum traço que aponte alguma nostalgia do campo, caracterizando
total ausência de um hinterland original recente. E mais, uma cidade-estado de tão forte
personalidade a ponto de promover um processo célere,
inelutável e inexorável, de aculturação. Ao contrário de São Paulo, no
Rio não são encontrados bairros típicos de nacionalidades, ou comunidades
diferenciadas, onde seus hábitos e manifestações culturais sejam preservados
com visibilidade. Como que existindo
um vetor hegemônico nucleando a diluição de aportes culturais num grande e
poderoso caldeirão de componentes dominantes, com evidentes imbricações em
sua produção cultural. Arriscaríamos,
ainda, adiantar que a infinitude do mar, que cerca
a cidade, faz com que o pensamento criativo não se imponha limites e nem se
sinta emparedado, e impede seja conduzido a uma visão centrípeta. Além disso a relação, de certa forma privilegiada do mar com a cidade,
metaforiza uma afirmação mais fundamental: o mar, muito menos que
limite, ele simboliza espaço
desconhecido a ser percorrido. Desvelamento
da íntima vinculação suposta entre estado de alma e a paisagem. Escreveu Corbin
que “face à imensidão de um oceano cujos limites o homem se sente
impotente para perceber e cujo tamanho ele não pode conceber” o escritor
vive a inevitável emoção provocada pelo sublime espetáculo da natureza. Fugindo dos debates
bizantinos que, muita vez, podem conduzir a eventuais preferências regionais,
parece fazer sentido pesquisar o que os campos e planaltos bandeirantes, ou
as planícies dos tamoios e goitacás, ou mesmo as minerálias minas gerais, aqui citados apenas como
exemplos, fundaram como marcas no processo criativo de seus escritores. Mas é muito provável
que tenhamos de considerar o viés do tempo cortando e transformando um mesmo
espaço em momentos diferentes, coisa que nos impediria de falar, por exemplo,
na São Paulo criada por Alcântara Machado como sendo a mesma
São Paulo elaborada por
Mário Donato. Colimamos
investigar, nos autores de cada região,
os pontos em comum que eventualmente possuam, isto é, partindo da
hipótese de que todos estariam sendo banhados por um mesmo e imenso rio que fertilizaria os jardins
dos escritores do grande quintal, alimentando a sua criatividade. Tentar-se-á demonstrar, para cada estado ou
região, a existência de um conjunto de
indivíduos aos quais é possível atribuir rigorosamente um sem número de
propriedades comuns. Note-se que não se
trata de admitir o imperativo da causalidade do solo ou do meio, mas apenas
admitir a sua influência e como é percebida. Mas sempre através de
critérios sociológicos e antropológicos, jamais enveredando pelo enfoque
estético, para o qual não nos sentimos autorizados e nem é a proposta deste
trabalho. Será selecionado um
grupo de escritores ainda em atividade, de ambos os estados, Rio e São
Paulo, cuja obra tenha
reconhecidamente ultrapassado as fronteiras regionais com evidente
repercussão nacional. A cada um será
submetido um questionário contendo, basicamente, as seguintes questões: 1. Onde você nasceu
? 2. Onde foram
escritos os seus livros? 3. Você diria que
sua obra reflete mais o lugar em que nasceu ou o aquele onde viveu? Explique. 4.
Se tivesse de identificar um espaço
geográfico percebido em sua obra, qual seria este? Porque?. 4. Qual obra de sua
autoria estaria melhor recebendo a qualificação regional? 5. Que autor/autores você poderia citar como bem representativos
de sua região natal? O que têm em comum? E com sua obra? È nossa intenção
enviar um questionário por correio eletrônico e aguardar a colaboração dos
confrades. O que podemos assegurar é que os resultados serão franqueados aos
interessados. Hersch Basbaum
é escritor, publicitário, crítico literário e diretor da União Brasileira de
Escritores. |
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