Marig?/span> Quirino Marchini
Sonhava Borges com o dia em que
todos os textos fossem um s?livro. Enquanto esse dia não vem, consideremos os
autores e seus direitos sobre as respectivas obras e o recurso da poesia chamado intertextualidade.?
A intertextualidade utilizada entre outros por
Ezra Pound, T. S. Eliot, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, ?a inserção em um
texto literário de trechos de outros autores para efeito comparativo, de
destaque ou mesmo como uma criação literária. “É como que a superposição de um
texto literário a outro, ou a influência de um texto sobre outro que o toma
como modelo ou ponto de partida e que, às vezes, provoca uma certa atualização
ou modernização do primeiro texto. Pode-se notar isso no livro Mensagem
de Fernando Pessoa, que retoma, por exemplo, com seu poema ?/span>O
Monstrengo? o episódio do Gigante Adamastor de Os Lusíadas, de Camões.
Ocorre como que um diálogo entre os dois textos. Em alguns casos, aproxima-se
da paródia (canto paralelo), como o poema “Madrigal Melancólico?de Manuel
Bandeira, do livro Ritmo Dissoluto (cf. Wikipedia).?Ou tomemos a definição do Houaiss:
?...) 2. Utilização de uma multiplicidade de textos ou de partes de textos
pr?existentes de um ou mais autores, de que resulta a elaboração de um novo
texto literário. 3. Em determinado texto de um autor, utilização de referências
ou partes de obras anteriores do mesmo autor?/span>.
Diríamos também que a intertextualidade ?como que a incorporação de um ou mais
textos literários por um outro texto que os absorve, integra, inclui, anexa,
dando-lhe um novo sentido.
Lembramos que na literatura, como vimos antes, h?
inúmeros casos de incorporação de obras alheias, tal como trechos, paráfrases,
epígrafes ou motes, paródias, etc.
E recordamos que o ?span class=SpellE>dolce
stil nuovo?de Petrarca,
influência que se estendeu na Europa do século XV ao XVII, perpassa a poesia
lírica de Camões. O primeiro verso de um soneto de Petrarca abre um soneto de
Camões. Uma relação intertextual na poesia de gigantes da literatura.?
Atualmente, pode-se considerar uma prática
razoável a utilização de obras de domínio público, amplamente
conhecidas, de autores clássicos, mesmo sem lhes citar os nomes, pois se
Dante e Shakespeare são, por exemplo, transcritos sem identificação, ainda que
um leitor comum não os reconhecesse em meio a texto alheio, certamente um
crítico teria essa percepção.?
Mas no caso de serem usados, numa incorporação
literária, trechos, frases e versos de autores em processo de formação de seu
status literário, sem identific?los pelo nome, quando esses autores são
conhecidos apenas por pequenos grupos de intelectuais, ser?então essa
incorporação de fato uma afronta ao Direito de autor.
O limite da intertextualidade ?estabelecido, portanto, pelo contexto em que ?feita, pela ética literária, e principalmente pelas normas do Direito Autoral. ?o que vamos ver, citando o livro Direitos de Autor e Direitos Conexos, de Eliane Y. Abrão (Editora do Brasil, 1a. edição, 2002, p. 74): “Direitos morais de autor ?Os direitos morais do autor são aqueles que unem indissoluvelmente o criador ?obra criada. Emanam de sua personalidade e imprimem um estilo a ela (...)? Esses direitos são: ?- O direito que tem o autor de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional ligado ?obra. ?o chamado direito ao crédito, que ?a de ver uma qualidade (a de autor e ou titular) anunciada junto ?obra, impressa junto a ela e o de reivindic?la a qualquer tempo; - O direito de assegurar a integridade da obra desde que as modificações ou alterações reflitam sobre sua pessoa, atingindo-a em sua honra (...); - O direito de modificar a obra (parágrafo 2 do artigo 79) que não se confunde com assegurar-lhe a integridade. Esse ?o direito que garante a exata correlação entre idéia e o resultado da criação, entre pensamento e obra criada, a ponto de liberar ao autor e somente a ele a possibilidade de modificar a obra, at? mesmo depois de publicamente utilizada (...).?o:p>
Ainda citando o livro de Eliane Y. Abrão, p.75:
“Direitos morais são também indisponíveis, inalienáveis e irrenunciáveis,
oponíveis ‘erga omnes? imprescritíveis e
impenhoráveis. Integrantes da categoria dos bens indisponíveis, como tais, os
direitos morais são de valor inestimável. Sua inalienabilidade e irrenunciabilidade, da essência desse direito, encontram-se
também expressamente reconhecidos pelo art. 27 da lei 9610/98? ?
Passamos a expor os fatos que motivaram o
presente estudo.
A antologia “Presença da Itália ?Presenza D?span class=SpellE>Italia??edição
bilíngüe, foi publicada em 1995 pela Editora Alcance,
em Porto Alegre, RS. Essa antologia teve como organizadora a incansável Silvia Benedetti, que congregou em suas páginas poetas
descendentes de famílias italianas imigradas para o Brasil.?Dessa antologia, foram recentemente
incorporados indevidamente versos de poesias de vários autores.?
O livro original ??i>Presença da Itália?/i>,
organizado por Silvia Benedetti ?foi
inconseqüentemente utilizado por Marinês Bonacina, que dele retirou versos de vários autores, sem
lhes citar os nomes e sem também citar a fonte, e dispôs de forma aleatória os
versos alheios em dois poemas que assina, “Vida?e “O Amor, a Poesia e o
Cálice? publicados recentemente em jornais literários do país e na Antologia Mercopoema.?
No poema “A Vida?foram anexados versos de
“Sonetos Venezianos ?VIII? de autoria de Marig?/span>
Quirino Marchini. Foram copiados: o quarto verso do
primeiro quarteto, “perpassando em cadência os vários ciclos? e o décimo
segundo e o décimo terceiro versos do segundo terceto: “estrelas, sol e lua a resumir/num tempo sem destino um s?sentido??
Foram anexados versos de ?span class=SpellE>Antevinda?
de Ivete Todeschini Menegotto,
o nono, “Vaza o tempo no momento? e o décimo, “in memoriam
mais uma geração? Também foram anexados versos do poema “Itália?de Silvia Benedetti, o segundo, “desfaz elos do passado? e o quarto,
“neste espaço a solidão?
Diga-se, de passagem, que os “Sonetos Venezianos?
fazem parte do livro da mesma autora, Marig?/span> Quirino Marchini, “Sonetos do Imperfeito?/i>, publicado em 1984,
devidamente registrado, e elogiado por Jos?Paulo Paes, Uílcon
Pereira, Renata Palottini, Antonio Soares Amora,
dentre outros.?
A poesia “O Amor, a Poesia e o Cálice? assinada
por Marinês Bonacina,
anexou o verso vinte e dois de “Poema? de Ivanise
Mantovani, “nos teus passos ficar?uma distância? o primeiro verso e leitmotiv
de “Segredo?de Silvia Benedetti, “As mais lindas
palavras de amor? o nono verso de “Busca?de Ruy Azambuja, “na solidão das
horas? o nono e o décimo-sexto verso da poesia “Itália?
de Silvia Benedetti, respectivamente, “Vivo a poesia
que exalta? “neste ensejo de sonhar? o décimo quinto verso do poema “O índio?
de Romeu Rossi, “rebrilham as asas metálicas?
O poema “A Vida? assinado por Marinês Bonacina, mas com versos
alheios, foi publicado no jornal literário “Tal & Qual? ano XI, n. 70, de
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em novembro de 2005.?O poema “O Amor, a Poesia e o Cálice? também
assinado por Marinês Bonacina,
mas com versos alheios, foi publicado no jornal RS Letras, n. 43, de novembro
de 2005.?Os dois poemas, “A Vida?e “O
Amor, a Poesia e o Cálice?foram também publicados na Antologia Mercopoema, da Editora Alcance, em
2005.
Lembremos que o original, de onde foram
subtraídos os versos, ?“Presença de Itália ?Presenza
D?span class=SpellE>Italia? antologia publicada em 1995, organizada
por Silvia Benedetti.?
E a casa editora ?a mesma, Editora Alcance.
O episódio que citamos poderia ser uma simpática
homenagem a integrantes de “Presença da Itália? pois ?um caso sui generis de incorporação de
textos de autores de uma mesma antologia em outros poemas; seria homenagem se
não faltassem as aspas devidas nos versos citados, bem
como a menção do nome dos autores. Faltou o crédito. Fica, portanto, constatada
a incorporação de versos de diversos autores da antologia “Presença da Itália?
nos poemas assinados por Marinês Bonacina,
uma leitora atenta e certamente admirativa.?
Incorporação devida ou indevida, eis a questão.
Pois temos um conflito entre o conceito literário de intertextualidade e o
conceito jurídico de Direito Autoral. Esse conceito de intertextualidade pode
ser invocado como um recurso literário ou um costume afim; mas face ao Direito
Autoral, existem limites, e ?possível a incorporação literária ser considerada
algumas vezes como uma violação ao direito do autor da obra original, a partir
da qual se fez a incorporação.??o que
constatamos na presente análise literária.?
O conflito estaria superado com a republicação da
matéria questionada com as devidas aspas na citação de texto alheio e o nome
completo dos autores dos textos copiados, conforme norma de Direito de
Autor. ?
?/span>(Nota: as publicações
literárias citadas neste artigo ?jornais e antologias - foram remetidas por
Silvia Benedetti).?
Marig?/span>
Quirino Marchini ?poeta, ensaísta e tradutora.?