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As   Madrugadas  de  Ontem

 

Rodolfo konder

 

 

Nas madrugadas do Rio de Janeiro, anos 50, matávamos a bola 7, entre uma cerveja e outra ,no Bar do Zé. Cigarro no canto da boca, ares de machos indomáveis, percorríamos a Avenida Atlântica, ao som das ondas que batiam nas areias brancas de Copacabana. Freqüentemente o Bolero, um cabaré perto do Lido, onde dançávamos com mulheres volumosas e bebíamos cuba livre. Era a nossa grande orgia.

Depois da sinuca, Luis Fernando Pinto da Veiga ia sempre para casa – um apartamento no distante bairro do Leblon , que ficava depois do Bar 20 – porque já andava apaixonado pela Ana Maria e não lhe parecia justo se encharcar de álcool conosco, nos alvoreceres pecaminosos de uma boate. Outro tipo de disciplina nos roubava a companhia de Heitor Simões de Oliveira: ele acordava muito cedo, para treinar aikidô. Renato Cláudio Alves Ribeiro, Paulo Saboya, Carlos Estrela, Gualberto Gomes e eu, no entanto, dexávamo-nos levar pelos inofensivos ventos das noites cariocas, o ar fresco que vinha do mar aberto, que nos chegava da escuridão como uma vaga promessa de irresistíveis aventuras.

Caminhávamos pela praia, às vezes pela própria Avenida N.s. Copacabana, víamos o governo JK com alguma simpatia, comemorávamos sempre com entusiasmo as realizações do mundo socialista, da União Soviética em especial. Mais do que as guerras e o macarthismo, porém, eram as mulheres que atraíam nossa atenção e nosso interesse. Gordas ou magras, louras ou mulatas, altas ou baixas, negras ou índias, feias ou bonitas – elas nos fascinavam.

As madrugadas eram de caça. Nas esquinas, nos bares ou no Bolero. Terminavam no apartamento do Gualberto, no posto 6, em alguma espelunca da zona sul ou na praia de Ipanema, para onde retornávamos a tempo de ver o nascer do sol, freqüentemente das pedras do Arpoador. Entre as Ruas Farme de Amoedo e Montenegro, pela manhã, nos curávamos da ressaca, nadando como golfinhos, entre arraias e cardumes.

Durante o dia, depois de nos bronzear com as amigas e jogar tênis de praia, a gente se reunia na casa de alguém. Eu gostava de percorrer a Rua Nascimento da Silva, hoje arborizada e linda. Ali, naquela vila, morava o Ivan Junqueira. Do lado de lá viviam o Caveira e o Macaco, irmãos e amigos. Mais adiante, Otavio e sua bela irmã, Lúcia. Lá era a casa do “Padre”, um adolescente que se recusava a matar passarinhos e ganhou esse apelido. Paulo “Gordo” tinha duas irmãs – Maria Helena e Maria Amália, loiras e cobiçadas. Para os lados da Barão da Torre, morava a Marisa. Perto da esquina com Montenegro, o escritor Willy Lewin, sua mulher, d. Belinha e a filha Lucinha.

À noite, nos reuníamos com as amigas, na esquina de Montenegro e Nascimento Silva, no prédio onde morava a Eva. Com algumas ruas de terra, prédios baixos, os bondes sacolejantes, pouco barulho, praia limpa, Ipanema era um paraíso antes do pecado original. Nada mais adequado, portanto, que nos encontrássemos nos inocentes jardins de Eva.

Naquela época, namorávamos de mãos dadas, dançávamos na casa de alguma amiga nas noites de sábado, víamos os musicais da Metro, faroestes com John Wayne, policias com Humphrey Bogart. Mas nossa rebeldia era política e se limitava à pregação do socialismo e às cores avermelhadas do Partido Comunista.

Depois de conversar com as meninas – Heloísa, Lucy, Miriam, Aída, Norma, Wilma – mergulhávamos na voragem das madrugadas. A vida no Rio de Janeiro era quase ingênua, pacata, sem violência, mas nada provinciana, como cabia ser a vida numa capital. O mundo era menor e mais puro. As orgias, menos devassas. Dos anos 50 para cá, tudo mudou. Mudaram os políticos, os conceitos, as paixões, a moeda, o futebol. Mas o passado ainda pode nos ensinar muita coisa. Ele nos oferece incontáveis lições de vida. Basta não esquecê-lo.

 

Rodolfo konder é escritor, jornalista, Diretor Cultural da UniFMU e conselheiro da União Brasileira de Escritores.