Machado de Assis e o
Abolicionismo
Maria Lúcia Silveira
Rangel
Atualmente estão em moda as pesquisas sobre os dez ou as dez mais: os livros mais lidos, as personalidades dominantes e por a?vai.
Em novembro de 1997, segundo matéria publicada no
jornal O ESTADO DE SÃO PAULO por Rui Castro, a ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
elegeu por votação as catorze canções brasileiras mais marcantes do século. Uma
pesquisa muito interessante que nos levou a recordações de músicas antigas e
menos antigas como “Aquarela do Brasil? “Carinhoso? “Chão de Estrelas?
outras mais recentes, criadas pela bossa-nova e pelo tropicalismo, como
“Alegria, Alegria? ”O que ser? Que será”,?O Bêbado
e a Equilibrista? confesso que achei essa pesquisa deliciosa, aplaudindo-a de
coração.
H?algum tempo foram escolhidos os dez melhores
contos da Literatura Brasileira. Claro est?que Machado de Assis coloca-se em
primeiro e segundo lugares, sendo os contos escolhidos “Missa do galo?e “A
cartomante?
Convém lembrar que como contista Machado de Assis
?insuperável e possui tal número de contos que se torna difícil apontar qual ou quais melhores contos seus.
De acordo com a escolha, julgamos mesmo que
“Missa do galo?e “A cartomante?são pequenas obras-primas.
No
primeiro conto a estrutura ?perfeita: seria quase impossível alcançar tantas
sutilezas, tantos subentendidos num pequeno texto ambíguo, não fosse seu autor
o velho Machado. No segundo, ficamos logo envolvidos pela trama, acreditando
nas predições da cartomante, que nos levam a um final trágico e inesperado,
lembrando os contos de Edgar Allan Poe.
Além desses contos citaria “Teoria do medalhão?
que profunda ironia se desprende dele! “O espelho? com tanta psicologia, mas
em primeiro lugar estaria “Pai contra mãe? pelo significado que atingiu,
absolvendo seu autor da crítica que tem sido feita contra Machado de Assis de
não se posicionar a favor do movimento abolicionista.
Hemetério Jos?dos Santos em um artigo publicado na
“Gazeta de Notícias?acusa-o, entre outros delitos, de sua não participação na
luta pela libertação dos escravos.?(16,
11, 1908).
Brito Broca em “A Vida Literária no Brasil -
1900?nos d?a notícia sobre esse episódio: “Nessa página que se tornou célebre
- reproduzida no Almanaque Garnier de 1910 - e
freqüentemente citada, podemos considerar dois aspectos; um, visando em Machado
o homem - seu procedimento para com a madrasta e a indiferença pela sorte da
raça a que pertencia. Outro, visando o escritor, numa crítica tão feroz quanto
ridícula e injusta? (Brito Broca: 1975: p.213)
Deixando de lado a questão sobre o valor
literário de nosso maior escritor e a p.287 na qual M. Cavalcanti Proença no
Jornal de Letras em 1956 procura amenizar as críticas de Hemetério
Jos?dos Santos por suas qualidades de caráter, sua bondade e sua compreensão
humana, voltemos ao que interessa que ?uma análise do conto “Pai contra mãe?
pelas implicações que sugerem estar Machado de Assis participante do movimento
abolicionista no Brasil. (M. de Assis: 1942, p. 11).
Machado de Assis inicia a narração do conto
naquele estilo tão peculiar, feito de indagações, sem certeza sobre as
respostas, dizendo pouco com muito significado: a descrição dos instrumentos de
tortura em uso contra o escravo, os ofícios decorrentes dessa situação social.
Em seguida fala sobre o personagem principal,
Candinho, o qual não se adaptando a ofício algum, acaba tornando-se caçador de
escravos fugidos; seu casamento com Clara, a gravidez da esposa em meio ?
crescente penúria, j?que havia escassez de oportunidades nesse ofício, devido
ao aumento da concorrência; enfim, conta o nascimento do filho e a proposta da
tia para colocar a criança na Roda dos enjeitados, uma vez que faltavam meios
para cri?la.
Entramos então no fulcro da narrativa ?a
tristeza do casal, tendo de aceitar as ponderações da tia, a qual afirmava que
eles poderiam ter outros filhos melhor criados. A luta interior de Candinho ao
levar o filho para a Roda, at?deparar com uma escrava fugida, cujo dono
prometia boa gratificação.
Candinho, deixando o filho em lugar seguro,
domina e amarra a escrava, a qual lhe pede por piedade que a liberte, pois est?
grávida e o amo com certeza ir?açoit?la; ?com grande esforço que Candinho
consegue lev?la at?a casa do dono. Recebe a gratificação enquanto a escrava
aborta exausta pela luta, transida pelo medo.
Candinho corre a pegar o filho, chega em casa com
a gratificação no bolso, esquecido da escrava e do aborto.
Eis a? em poucas páginas, a descrição de uma
instituição marcante da sociedade brasileira no século XIX - a escravidão - que
nos leva por seu conteúdo a algumas considerações:
Através da pungência do
conto percebemos os dois lados sociais existentes - o dos excluídos da sorte e
o dos que contam com a boa vontade e o apoio para vencerem, isto ? os escravos
negros e os brancos livres.
A frase última que fecha o conto ? Nem todas as
crianças vingam, bateu- lhe o coração.?( Machado de
Assis: 1942, p. 30) ?a realidade dos fatos; vingam apenas os que, mesmo em
situação econômica difícil, contam com a proteção social - Candinho, mesmo
próximo ?miséria, era um homem livre e branco, estava ao lado dos fortes,
enquanto a escrava , nem mesmo sendo considerada humana, não possuía chances.
Creio que Machado de Assis, nesse conto, penetra
fundo na chaga da escravidão, mostrando o problema mais premente - o direito ?
vida, concedido apenas aos que são livres.
Uma acusação condenando cabalmente a escravatura.
Leituras: Broca, Jos?Brito, A Vida literária
no Brasil ?1900. Rio de Janeiro, Ed. Jos?Olympio, 1975.
Assis, Machado de, Relíquias de Casa Velha.?Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, W.M.
Jackson Inc, 1942.
Assis, Machado de, Contos.?São Paulo, Editora Cultrix
Ltda. MCMLXV.
Artigo em O ESTADO DE S. PAULO, Rui Castro, 1997.