Brasília floresce
Manoel Hygino dos Santos
Quase surpreende
aquelas pessoas, procedentes de todas as regiões do Brasil, se aventurarem na
nova capital e ali se radicarem, com velocidade quase inacreditável.
Transpostas poucas décadas, elas assumiram a nova condição, produzindo uma
simbiose entre o homem e a terra.
Os brasilienses adotivos se tornaram conscientes de seu papel a partir do
momento em que a sede do Governo começou a funcionar no planalto. A consciência
contribuiu decisivamente para gerar nova mentalidade, criando verdadeiro
espírito de cidadania. O enorme esforço de construção da metrópole e da
instalação dos três Poderes e dos serviços públicos responde, hoje, à
expectativa dos idealizadores e pioneiros.
Brasília adquiriu identidade e é
inconfundível. Sua gente se orgulha e, ademais, se exaspera quando se quer confundir as mazelas de um grande centro do poder com a
honestidade. Sua população não admite generalizações descabidas e perniciosas à
sua imagem.
Do ponto de vista cultural,
Brasília se tornou um importante polo. Só o pior cego
não vê. A nação não mais permite, por suas próprias dimensões continentais, que
se tenha um único eixo, o eixão São Paulo-Rio. Isso não existe mais ou pelo menos não deveria
existir.
A incessante produção editorial na
capital federal mostra, à suficiência, que lá se cria. Autores, numerosos,
provenientes de todos os Estados, lá se acham com armas, bagagens, engenho e
arte para escrever. Prosa ou verso, pouco importante. Importante é que se
labora... e bem.
Agora mesmo, em honor e louvor à cidade que Juscelino decidiu implantar no
remoto planalto goiano, e lá implantar a sede do Governo, acaba de sair
‘Poemas: Biografia da Cidade’, crônica de Brasília, síntese histórica, pela
LGE. É coletânea de poeta mineiro, nascido em Aimorés, radicado em Brasília, há
anos.
Da cidade do Vale do Rio Doce, Joanyr de Oliveira, o autor, transpôs as portas de Vitória,
Rio de Janeiro, São Paulo, Goiânia, localidades goianas outras e burgos
americanos de Nova Inglaterra e no sul da Califórnia. Andou muito, circulou,
aprendeu, ensinou, leu e escreveu poesia, crônica e conto, antologias, para
cumprir seu destino de pregador da boa nova.
De 1957 até agora, foram dezenas
de livros, mas este que ora aparece no mercado, com excelentes fotos de Ivaldo
Cavalcante, dá idéia perfeita do entranhado amor de Joanyr
pela terra que o acolheu e a que dedica os 21 antológicos versos desse volume.
Se há iconografia de boa qualidade
e poesia, não falta um pouco de história da transferência da capital.
É idéia que vem de longe, a que
Tiradentes e os demais inconfidentes deram força e alento, mas só consumada
pela coragem de um mineiro, coadjuvado por outro mineiro que sabia e gostava de
construir. Juscelino e Israel, de Diamantina e Caeté, historicamente se
encontram no planalto.
Difícil a mim
falar de poesia sem as transcrever. Mas os versos parecem não caber na forma
disciplinada da coluna cotidiana. Para entender um pouco, para sentir,
imprescindível transcrever, nem que seja apenas um pouco.
Em “Poema(s) para Brasília”, assim
se começa: “As conchas dos olhos/recolhem a cidade recém-vinda/das réguas, das pranchetas./Em cantos
translúcidos,/o sangue inaugural de suas ruas”. Adiante: “As mãos dos pioneiros
desabrocham/esplanadas e verdes/por
entre calos duros e selvagens, /Despojadas de plumas, /as palmas-espetadas por
bichos e pequis/ a trotar sobre praça imaginária. / Nos cumes de pirâmides de
vento, / nos eixos com seus trevos/ a girar no invisível”.
Manoel Hygino dos Santos é escritor e crítico literário.