FERNANDO
MENDES VIANNA - (1933-2006)
Anderson Braga Horta
Era
alegre, vivaz, prolífico – escrevia diariamente, pela manhã, devendo ter
deixado vasto material inédito. Aparentemente saudável nos seus 73 anos, grande
conversador, grande declamador, com rara capacidade de envolver um auditório,
em amplos ou limitados espaços, dir-se-ia um ser extra-humano, imune ao fatal
trabalho das Parcas. Mas a vida é frágil. E a morte, inelutável. No dia 10 de
setembro do recém-findo ano de 2006, um domingo, a Indesejada das Gentes
colheu, sem aviso, o poeta Fernando Mendes Vianna em plena atividade criadora.
Pode-se dizer que a Poesia o levou pela mão: levantara-se cedo, como de hábito,
coara um café, para acompanhá-lo em sua indefectível faina matinal, e começava
a escrever um poema. Os familiares o encontraram caído, à mão o texto
rascunhado. Não obstante, ele poderia dizer, como o irmão mais velho Manuel
Bandeira, que a Indesejada encontrou “lavrado o campo”, com extensa e
respeitável obra poética, original e traduzida, semeada em perto de vinte
livros, além de um sem-número de poemas inéditos.
Fernando
nasceu no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1933. Funcionário do Senado,
transferiu-se para Brasília em 1961, precedido de excelente fama, como autor de
Marinheiro no Tempo e Construção no Caos (1958) e de A Chave e a
Pedra (1960). É de 1964 a Proclamação do Barro, que se reputa a sua
obra maior. Seguiram-se, entre outros livros, O Silfo-Hipogrifo (1972), Embarcado
em Seco (1978), Poesia Viva (1979) e seleções como Marinheiro no
Tempo (1986), Ah! (em espanhol, 1998), Antologia Pessoal (Thesaurus,
2001). Traduziu Poemas do Antigo Egito (1965), Sonetos de Amor e
Morte de Francisco de Quevedo (1999) e, em colaboração com José Jeronymo
Rivera e comigo, Poetas do Século de Ouro Espanhol (2000), Victor
Hugo: Dois Séculos de Poesia, O Sátiro e Outros Poemas (2002) e Antologia
Poética Ibero-Americana (2006), que não chegou a ver.
Detentor de
alguns dos mais altos prêmios literários do País, traduzido em diversos
idiomas, antologiado por Manuel Bandeira, Walmir Ayala, Alberto da Costa e
Silva, Manuel Sarmento Barata, Pedro Lyra, Sílvio Castro, Joanyr de Oliveira,
podia-se gabar, se tal fosse o seu feitio, de possuir uma fortuna crítica
extraordinária. Apadrinhada por Augusto Frederico Schmidt, sua obra foi alvo de
pronunciamentos encomiásticos de nomes do porte de Alceu Amoroso Lima,
Oswaldino Marques, Sérgio Milliet, Domingos Carvalho da Silva, Almeida Fischer,
Antonio Olinto, Eduardo Portella, José Guilherme Merquior, Moacyr Félix, para
citar alguns dos mais importantes.
Temperamento
expansivo, orador de palavra culta e envolvente, dominava as rodas em que participasse,
tendo tido ocasião de agitar impetuosamente os estratos culturais da cidade que
escolheu para viver.
Mendes
Vianna deixa uma poesia de altitude incomum, digna de ser reverenciada no
panteon das letras nacionais.
Alguns de
seus últimos poemas, que deixou sem retoque, e de que se dá aqui uma amostra,
impressionam pela contundência da premonição da morte próxima.
RÉQUIEM DO POETA
OU UMA PEDRA: A POESIA
Com
minerais e sais
para
a abarcia,
esfaimado
ainda
beijo
a
pedra.
Buscando
inutilmente
o
seu leite.
Leite
que nunca
medra
nessa pedra.
Onde
sugo e sugo
noite
e dia
e
busco o elixir.
É
uma lápide
–
pedra a mais fria.
Anderson Braga Horta é escritor, poeta,
ensaísta e tradutor.