Moema Cardoso
“Entre a cruz e o ritual / o máximo de mim / Fica com o milagre / e o mínimo / com a morte” M.C.
Faleceu em São Paulo, no começo deste ano,
a poeta Moema Cardoso (1948 – 2006). Deixou-nos tão silenciosamente, que viemos
a saber de sua despedida apenas agora, no fim de 2006.
Poeta sensível e inteligente, cronista,
Moema era um talento múltiplo.
Musicista, compositora e cantora de muitos
dons, com voz agradável, rica, e de sonoro timbre, enriqueceu as noites
paulistanas com seu violão e suas canções, no roteiro da MPB.
Em 1969 classificou-se no III Festival
de MPB da Paraíba, estreando como compositora e cantora.
Soube juntar bem poesia e música, duas
artes que amava.
Além de vários e ótimos livros publicados
de poesia, Auto-Prisma (1981), Sete Lumes (1981 – folhetim), Pão-de-beijo
(1982 – prefácio de J. B. Sayeg e posfácio de Péricles Prade) e Cerimonial
do Templo Brasileiro (1983 – do qual fiz o prefácio sendo a orelha de
Milton Godoy Campos). Moema Cardoso também foi sócia fundadora da Littera
Editores, voltada à poesia, que entre outros livros editou em 1984 Sonetos
do Imperfeito, de Marigê Quirino Marchini.
É de lembrar-se seu carinho e cuidado
gráfico nas publicações de sua editora.
Também foi idealizadora e editora da
revista Língua-Viva – uma revista de literatura, uma das várias
publicações alternativas das décadas de 80, que fazia parte do movimento Língua
Viva, com boa tiragem e ótima apresentação, tendo como editores Tarseu
Pinto e Moema Cardoso, e assistentes Gelson Duarte Barbosa, Half Correia Rickli
e Jacira Cardoso.
Colaboraram nessa revista vários nomes que
continuam a trilhar a literatura, como Tarseu Pinto, J. B. Sayeg, Edmir Correia
Cardoso, Marigê Quirino Marchini, Aricy Curvello, Cláudio Feldman, Dalila
Telles Veras, Guido Heleno Dutra, Idelma Ribeiro de Faria, Ilka Brunihlde
Laurito, Ludimar de Miranda, Mirian Paglia Costa, Péricles Prade, Rinaldo Gama,
Thereza Christina da Motta, Ulisses Tavares, Tarseu Pinto, Moema Cardoso e
muitos outros.
Deixa-nos Moema, com saudades de sua
presença, seu entusiasmo, sua alegria, e com a triste constatação de que numa cidade
grande como São Paulo, podemos perder amigos em poucos meses, e vir tarde a
sabe-lo.
Moema deixou dois filhos, Diogo e Tiago,
que herdaram a sensibilidade da mãe para as artes.
Transcrevo aqui trechos do prefácio que
fiz para Cerimonial do Templo Brasileiro como reiteração de minha
admiração e homenagem a essa amiga.
posto que sou apenas
um minuto
em
meio ao tempo.
Como um rio. É assim que vejo a poesia de
Moema Cardoso. Maleável em sus ritos, telúrica em suas imagens, nos Leva, sem
esforço, com a Leve pressão de suas palavras, ao encontro dessa nascente de
beleza e riqueza interior:
que me abraçam
à noite
passeio pelas sementes
e sonho minimizar-me.
E o amor – presente como o ato supremo, o
restaurador:
à sombra de nuvens brancas
acasalam-se
dolentes
no silêncio matizado
Chegaram ao limiar das entranhas e
como se o corpo ainda tivesse forças
sobrevoaram o leito
entrelaçadas.
Então
não houve tempo maior
que um vôo rasante e sedento
de pássaros no cio.
Pelo Olho Mágico do Templo se
revela a dor. Na Água, na Terra, no Pó, no Asfalto, na Cidade. Na natureza. (...)
Na da dor coletiva. (...)
Essa dor se insere na poesia de Moema Cardoso, como a moeda da
condição humana, (“e jogarei moedas na fonte / para pagar o místico desejo / de
reaver / a parte que me cabe” - M.C.) já não só sofrida como uma carga
individual ou coletiva da espécie, mas co-participante de toda a natureza, numa
avaliação de que ser é sofrer, no sentido existencial completo, em que tudo
capta e permeia tudo, de que temos de ser e somos esses patamares do templo,
isso, a história, o momento, nós as cidades, os mortos, os presentes com seus
lutos e lutas, e passamos uns sobre os outros – pedras, gentes, coisas,
animais, todos os reinos, e o tempo sobre nós.
Tudo é dialético em sua poesia, mal e bem
tão unidos, luz e sombra, água e terra, nós e já não mais nós. E Moema sabe que
na sua condição de poeta tudo pode, até aceitar essa condição universal da dor,
sem no entanto “acordar as crianças, eu não tenho o direito //.” O direito é o
da vida.
(...) Este livro nos traz uma grata
inquietude e acaso o brilhar suave do “nascer” privilegiado, pois pela autora
nos envolvemos nos abismos e mistérios “deste longo e obscuro plasma,
denominado 1984.”
Marigê Quirino
Marchini é escritora, tradutora e crítica literária.