O
Mundo é Linguagem !
Já faz anos que exploro o mundo dos códigos e dos signos pelo estudo da linguagem, da comunicação, da psicanálise, do saber e de muitas outras formas. No entanto, nunca defini meu objeto! Porque cada linguagem propõe um paradigma de mundo diferente.
Quando jovem , meu professor de Semiótica, Naief Sàfady afirmou:
- Nascemos apenas com uma idéia na cabeça e não
fazemos outra coisa senão desenvolvê-la ao longo de toda a nossa existência.
Disse para mim mesmo:
- Será, então, que não é possível que haja uma
mudança de vida? Que reacionário! Perto
dos 57 anos de idade, entendi que meu professor tinha razão: de fato, durante
toda a minha vida persegui tão-somente uma única idéia. O único problema é que
não sei que idéia é essa!
Creio que estou chegando lá. De tanto me dedicar
à semiologia, estou cada vez mais convencido da possibilidade de que o mundo
não existe, de que ele nada mais é do que um produto da linguagem.
Houve
momentos, no decorrer do século passado, que a filosofia se recusou a falar do
mental sob o pretexto de que não podia vê-lo.
Hoje em
dia, com as ciências cognitivas, as questões do conhecimento - o que quer dizer conhecer, perceber,
aprender? - tornaram-se centrais. Os progressos da ciência permitem tocar
naquilo que antigamente era invisível, o que obriga a Semiótica questionar:
como é que a linguagem estrutura a percepção que temos das coisas?
Nem sempre foi esse o caso. A linguagem de Pascal ou de Descartes é
simples e corriqueira. O próprio Bergson que trabalha
com conceitos difíceis,fala sem tecnicismos. Na segunda metade do século
passado, as coisas mudaram. Por que o francês de Lacan parece difícil ? Porque sua sintaxe não é francesa, é alemã ! De fato, nos anos 60 houve uma verdadeira invasão
alemã na filosofia francesa. Daí a ruptura entres os dois continentes. Isso
criou uma barreira enorme entre a filosofia insular e a continental. Os
anglo-saxões, Locke e Berkeley, falam como todo mundo. Wittgenstein, quando
começou a pensar em inglês, utilizava uma linguagem simples. Eis a razão por
que os americanos gostam tanto de Gramsci - porque ele não se valia do jargão
alemão - e por isso eles não se deixaram contaminar pela fenomenologia, por
Heidegger, que lhes é incompreensível. Todavia , cederam diante dos franceses
germanizados, que influenciaram sua literatura e, depois, sua filosofia. Já é
difícil traduzir Lacan em “francês”, imagine em inglês ! No Brasil também
aconteceu a mesma coisa: basta que um termo seja
alemão para que seja considerado com seriedade.
A língua é uma força biológica: não se pode
modificá-la com uma decisão política. Pode-se, quando muito, influenciar o uso.
É uma função dos jornalistas, escritores e da mídia. Um bom uso mostra-se pela
flexibilidade com que as palavras são aceitas. Todas as línguas estão repletas
de palavras estrangeiras que foram naturalizadas.
Os jornais brasileiros (alguns) nos dizem com
freqüência que Michael Schumacher, da Fórmula 1 - pegou a “pole position”, um
termo inglês inútil, pois pode dizer perfeitamente que chegou em primeiro lugar
ou qualquer coisa parecida. Certa vez, li num jornal que Schumacher,
tinha conseguido a “pool position”. Ele devia
estar, então, na piscina!
Hoje em dia, as pessoas falam sua língua nativa
mais corretamente, lêem mais jornais, mais livros. Isso não significa que a
humanidade esteja melhorando e tampouco quer dizer que há menos banalidades, esterótipos e bobagens.
Os editores, os donos de televisão, jornais e os
críticos literários não entenderam que houve uma revolução
espiritual, que o nível geral subiu.
Os franceses fazem de conta que brigam com o
inglês, mas têm medo mesmo é do alemão. Desde a queda de Berlim, a Europa do
Leste transformou-se num bolsão de poliglotismo alemão
e há muita probabilidade de que o alemão se imponha na Europa! Nunca, no mundo,
alguém conseguiu impor a língua estrangeira dominante. Os romanos foram mestres
do mundo, mas seus eruditos conversavam em grego entre si. O latim se tornou a língua européia quando o império romano desmoronou. No
tempo de Montaigne, o italiano era o vetor da cultura. Depois, durante três
séculos, o francês foi a língua da diplomacia. Por que
o inglês, hoje? Porque os Estados Unidos ganharam a guerra e porque é mais
fácil falar mal o inglês do que falar mal o francês ou o alemão. O que não
impede que os franceses falem de uma “colonização” de sua língua pelo inglês.
Nelson
Valente é professor universitário, jornalista e escritor.