No fim do ano passado começava eu este texto para o “Igaçaba” de janeiro, quando o computador enguiçou. Vírus, apesar de toda a proteção. Tudo ainda continua meio capenga por mais apelos, socorros e auxílios que eu tenha recebido. E contratado. Sempre fica uma ponta em aberto. Convenço-me: o computador é a melhor coisa que já se inventou para um pobre rabiscador como eu, mas, quando resolve complicar...
O texto que eu começava fazia uma
referência inicial ao rebaixamento do Grêmio Futebol Porto-Alegrense à segunda
divisão do futebol brasileiro. Na referência, eu reproduzia trecho jornalístico
onde aparecia que o Grêmio tinha agora a perspectiva de confrontos contra
equipes como União Barbarense e Gama a partir de 2005 (CP, 29.11.04, última
página). O comentário incutia a decadência do Grêmio e desabonava o tal União
Barbarense.
Como bom colorado, acompanho de perto as
desgraças do Grêmio. Mas não as quero nem desejo. Até, pelo contrário, prefiro
o Grêmio forte e glorioso... apenas, sempre inferior ao meu S. C.
Internacional. Assim, a alusão estampada no jornal deixou-me quase
constrangido.
Não soubesse eu distinguir entre bola
rolando e poesia que se escreve, eu teria ficado deveras constrangido. Esse
União Barbarense, ao que desconfio, é da cidade paulista de Santa Bárbara
d’Oeste e não deve ser lá essas coisas mesmo, em termos de futebol. Não sei,
desconfio, mas se está ao nível do Grêmio...
Em poesia, porém, a coisa muda. Santa
Bárbara d’Oeste é cidade de valor, pois lá mora um poeta raro, diria mesmo, um
poeta único. Seu nome é Irineu Volpato e eu o conheço há pouco mais de ano.
Isso já é mais que suficiente para reconhecê-lo como poeta de primeira linha.
Nem tanto seria preciso, umas poucas
palavras chegam. Em fins de 2003, quando recebi sua primeira carta, essa
datava-se assim: Sesmaria*, enquanto ano desnovembra-se, 28/03. Ao
final, o asterisco explicava: (*) Nome da quadra em que me cerco nestes
matos. O que vale é do envelope, destas bandas Santa Bárbara.
Na carta, ele contava que já me conhecia das
leituras do Igaçaba e explicava-se: Vim de São Paulo (S Bernardo) para o
mato. Dão dois anos. Acho que o descompromisso do quieto, do silêncio, das
distâncias faz-me bem. Vivo e crio minha literatura, essa de alternativos,
desembestadamente. Dividindo-me com a terra, no amaino, com os bichos do
quintal, no trato, com os pássaros, cedendo-lhes partes de minhas safras de
frutos e, eles a pagarem-me com seus cânticos.
Por aí vai.
Junto, Irineu Volpato mandava-me o seu
“Errâncias”. Esse “Errâncias” – no dizer do próprio Volpato – esse
“Errâncias” que estou enviando, que acaba de sair do forno, é uma suma, que
resolvi (sempre é bom dar um balanço do que fomos, acreditamos e trocamos com o
tempo), daquilo que até ontem produzi, e você vai encontrar na relação final do
livro. Coisas ontem, muito ontem, menos ontem, quase hoje, hoje em cima.
Parece estranho isso: falo de um poeta e
fico em sua carta. A carta, porém, dá a pista do poeta. Observe-se a datação
acima e repita-se a datação. Ver-se-á que acontece toda uma descontrução da
nossa linguagem e sua exploração em novos moldes. Já no corpo da carta, quando
informa de sua divisão em homem de letras e
cuidador de terra, bichos e pássaros, lá, em Sesmaria, onde me
cerco nestes matos, o poeta entremostra a poesia que faz em sua integral
condição humana assumida.
Essa é, em verdade, a poesia de Irineu
Volpato. A temática sempre traz cheiros de terra, sons de aves, gostos de
folhas e resinas, afagos de brisas, galhos e flores, cores de céus e nuvens, de
chuvas de carvãozinho de queimadas, de postes e árvores que se mancham de
propaganda política. Seu recente livro, por mim recebido anteontem, em seu
título confirma: “guaco alecrim mel-agrião temperos e infusões” (sic).
Em tudo, no meio desse mundo que é a natureza de seu recanto, o homem está
presente, agindo, agüentando, destruindo, tentando sobreviver, vivendo.
Sofrendo com o mundo que sofre; vibrando com o pouco que se salva.
A linguagem de Irineu Volpato é o que há
de mais especial. Quando se começa a leitura de seus poemas, bate-nos logo uma
estranheza, que as palavras parecem deslocadas, mal colocadas, estragadas.
Desconstruídas. E são. São para a busca de uma nova linguagem, a abertura de um
novo caminho. O poeta cria sua própria linguagem, num misto de caipira e
erudição, assuntando-se, cantando sua terrinha de mato, grama e córregos, de
sol, noites e estrelas, extraindo da aldeia o universal.
Isso é o que distingue o verdadeiro poeta
dos demais. Não sou só eu que o digo. Quem o diz com mais autoridade é Manoel
de Barros, dirigindo-se a Irineu Volpato: Poeta precisa de criar sua
linguagem. Particular. Você alcançou a sua.
Assim, Irineu Volpato faz da sua Santa
Bárbara d’Oeste, do seu chão e do seu mato, da sua Sesmaria, um marco de
Poesia e Beleza. Ele faz Poesia e, no dizer do mesmo Manoel de Barros, poesia
é a arte de nascer das palavras. Irineu Volpato nasce poeta de suas
próprias palavras, estragadas, amarfanhadas, desbastadas, transformadas,
buriladas, recriadas. Isso chama a atenção, granjeia respeito e traz
perenidade. Em Poesia, que o futebol, por mais que eu o ame, é secundário.
Nelson
Hoffmann é escritor, autor de Eu Vivo Só Ternuras.