Edições

Gramímeas - Caio

Notícias

Escreva Corretamente

Agostinho e Vieira

Editorial

Página Inicial

Livros

O Primeiro Regresso

Harry Potter

O Moderno Soneto de Luiz Papi

 

Anderson Braga Horta

 

Desde a estréia, em 1957, o poeta Luiz F. Papi tem-se mostrado fiel a uma poesia que dá o devido tratamento à forma, à palavra, à língua, mantendo-se atenta às diferentes gamas da experiência humana. Vindo de livros marcantes, como Poemas do Ofício (1964), Desarvorárvore (1981), Os Olhos Potáveis da Noite (1999), Parla Pedra: Poesia, Escultura (2000), valoriza a produção poética de 2006 com este Irreparabile Tempus, editado pela Galo Branco. Retoma, aqui, a forma soneto, que parece ser de seu particular agrado e que sabe compor com perícia, sem apego, contudo, a padrões inflexíveis. São oitenta e uma peças, distribuídas quaternariamente em “Tempo Cósmico”, “Cores e Acordes”, “Irreparabile Tempus” e “Alquimia do Tempo”.

Está posto que o tempo é o tema. De que ponto de vista? De um sem-número. Em que “modalidade”, com que “vestimentas”? O poeta não pretende limitar o enfoque –não pretende especializar o seu tempo–, mas tem o cuidado de deixar assinalada, no prefácio (pág. 14), a inesgotabilidade das “possibilidades de abordagem”.

O prefácio, aliás, é uma das páginas mais interessantes do livro. O autor o intitula “Tempo e Labirinto” e, nele, traça um panorama do objeto de sua construção sonetística, utilizando as lentes da mitologia, da religião, da filosofia, da física... e, naturalmente, da poesia.

Quando se fala em soneto, hoje em dia, o leitor massacrado por uma propaganda antitradicionalista, resíduo do modernismo primitivo e da guerra travada contra a reação de 45, é induzido a uma idéia de ranço e mofo. Nada disso!

O soneto de Papi é decassilábico, geralmente heróico (acentuado na sexta sílaba), mas evitando a monotonia com variações como o chamado verso de gaita galega (acentuado na quarta e na sétima). Sua metrificação é bastante livre, admitindo anaptixes, hiatos e ectlipses de um lado e, de seu contrário, a prática do verso congestionado, ou sobrecarregado. Emprega a seu talante a rima perfeita e a imperfeita, a rima toante, a rima gráfica (órbita/habita), a interna, a quebrada (anti-/ante-) Mas, acima de tudo, é de opor àquela possível idéia prévia a modernidade do seu fraseio, sem prejuízo da correção e da elegância da linguagem.

Suas citações, riquíssimas, fogem contudo ao afetado e à ostentação; resumidas a um título ou abarcando versos inteiros, inseridas numa linha contínua ou partindo-se em enjambement, de um modo ou de outro indicando a fonte, elas se integram sempre bem ao texto e ao contexto. Os homenageados são muitos. Dos nossos, Augusto dos Anjos, Drummond, Clarice, Jorge de Lima, João Cabral, Murilo, Bandeira e Cecília. E mais: um Dante, um Baudelaire, um Eliot, entre outros – não esquecendo Proust, cuja obra recherche justamente a recuperação do irreparabile... Proustiano é, por sinal, um dos sonetos de minha preferência, o n.º 79, de que transcrevo o início e o fim: “Aromas, sons, figuras e volumes, / o engenho da palavra busca e capta / num rapto instantâneo. .... / E o resto vem num zás: / singrar com Proust o tempo e visitar / sombras de antanho, plagas do sem-fim.”

Não lhe falta, a essa poesia, elevação de pensamento e de linguagem, força imagética e embalo melódico. E sobra-lhe a alegria de um ludismo exímio que –é bom lembrá-lo nesta quadra de grandes emoções futebolísticas– bate bola, feliz, em aquáticos/metálicos decassílabos, nas aliterações de que faz exemplo ímpar esse “agro ogro da grei dos magos”, do soneto n.º 25, no contraste rítmico das oxítonas, paroxítonas e esdrúxulas, na opulenta diversidade, enfim, de uma poética de recursos bem assimilados e bem aplicados.

Anderson Braga Horta é escritor, crítico literário e membro da Academia Brasiliense de Letras.