Poemas
(do livro
Catedral do Silêncio)
Caminho entre acácias,
papiros,
ébanos orientais, ciprestes
e alfarrobeiras.
Admiro a beleza dos falcões,
águias,
cotovias e poupas.
Percorro o leito do Nilo
montada em meu camelo alado
em busca de fertilidade,
não é época das cheias.
minha taça está vazia,
preciso receber para dar,
sem trocas não semeio
tâmaras.
Voamos até às pirâmides de
Gizeh.
Nos túmulos de Queóps,
Quéfren e Miquerinos
não encontramos a taça para me
conceber.
Ela está distante das
belezas de Imhotep.
Procuro o objeto de ouro
nas ruínas de Mênfis, no
Colosso de Mêmnon
e continuo de mãos abanando
sem dividir, multiplicar,
subtrair e somar.
Monto novamente no animal
beduíno,
minha taça ferve com o sol
quente do deserto.
Tenho miragens, tenho sede
e não tenho água para beber.
Mato minha sede no oásis.
Estou perto de fragilidade
e não alcanço a fertilidade.
sou uma escrava carregando
pedras,
construindo tumbas e
túmulos.
Estou delirando com a
miragem.
Parto com meu corcunda para
a terra dos cedros,
pinheiros e carvalhos
com destino à bacia do
Eufrates.
Eu e meu camelo alado,
cansados e frágeis de
procurar,
avistamos-te nos Montes
Líbanos.
Estavas a me esperar
segurando firme nas mãos
a taça transbordando fertilidade.
Colhemos frutos e semeamos
tâmaras.
GOSTO DE AVELÃS
(do livro
Catedral do Silêncio)
Dirigindo
o veículo que me conduzia
às
minhas quatro paredes,
viajei
nas rodas de Lenoir
rumo
à rua Roquette.
No
café em frente ao terminal,
observava
através das cortinas transparentes
os
chapéus que passeavam na calçada.
Tentava
te perceber meio à multidão,
não
via o vulto de tua imagem.
Sobre
a mesa Uma Paixão no Deserto,
nos
tipos de Didot, Balzac me acompanhava.
Entrastes
pela alta porta de vidro
com
um buquê do campo nas mãos
como
fosse este o primeiro instante.
Sentastes
ao meu lado,
beijastes
suavemente minhas mãos.
Não
falastes nada, mas teus olhos
disseram-me
frases inesquecíveis.
Tomamos
um café, nosso beijo
com
gosto de licor de avelãs.
Voltei
ao meu Corcel, à grande avenida
que
me conduzia à região leste.
Na
minha memória Delacroix
guiava-me
à Catedral do meu Silêncio.
Emudeci
no cruzamento,
teu
cheiro se fez presente no ar.
Dentro
do meu peito tua voz
acalentou-me
no tráfego.
Minha
boca com gosto de avelãs.
(In “De Corpo e
Verde”)
Incendeie minha floresta
de
cabelos negros
Reproduza
paisagens e ideogramas
em
meu deserto purpúreo
Plante
uma flor na mãe-do-corpo
Molhe
minha mata
com
lágrimas lubrificantes
Faça
a colheita
e
germine frutos
Envolva
de verde
todo
o meu o corpo e floresta adentro
Escreverei
um poema
em
tua tez
Minha
língua esferográfica
digitará
a primeira palavra
em
teu órgão auditivo
Um
soneto nascerá em teu abdome
Vírgulas
reticências
e
pontos de interrogação
serão
traçados em teu jardim
Um
ponto de exclamação
pousará
suavemente
em
tua selva
-
O verde e corpo
emoldurarão
o poema e a paisagem.
(In de
Corpo e Verde)
Comes
lingüiça de jornal,
cachorro
podre,
o
famoso hot-dog,
a
tabela periódica
dos
elementos químicos
conservantes
das latas.
Para
os filhos, cacau choco
soda
cáustica com açúcar
Cárie
nos dentes
orçamentos
caros nos dentistas
mas
não faz mal
deduzes
do imposto de renda.
Bebes
líquidos viciantes
é
uma dependência física.
Eles
desentopem o estômago
o
intestino é um cano de esgoto.
Fumas
carteiras de nicotina
para
aliviar o stress
Tomas
um xarope
o
pulmão cinza combina
com
o céu da cidade.
A
neblina das cordilheiras
Sou
o vento que limpa os campos
Dos
vampiros, a lua cheia...
Vou
te atacar com meus dentes
e
tu provarás o néctar
venenoso-transcendental
que
carrego comigo.
E
arderás em febre...
E
eu serei a febre
que
te matará
(In Mensagens do Momento)
Sou o vampiro da lua cheia,
mística e misteriosa,
desta noite cosmo-erótica.
Divago
a procura de alguém
para amar...
Preciso de uma veia
fértil
para trocar energias
e me alimentar...
Preciso de muito amor
pois, sou um vampiro carente.
TERCEIRA DIMENSÃO
(In Poesia)
A
cidade nua, sem vestes e sem verde.
São
Paulo dorme acompanhada da solidão.
Nada
de peixes nos leitos dos rios,
nem
flores e frutos nas árvores de cimento.
O
amor se fragiliza e se recompõe
entre
vigas de concreto e o calor humano.
Uma
cidade dividida entre
a
riqueza e a pobreza.
Caviar
e champanha nas mesas da zona sul
e
os farelos nos pratos da periferia.
Colméias
nos prédios, casas,
casebres
e embaixo das pontes.
A
vida em contraste se anula
diante
do silêncio dos homens.
Nos
jardins as mansões escondem a hipocrisia.
No
centro a fome planta sementes nas calçadas.
Na
Praça da Sé a Catedral pede clemência
aos
homens de boa vontade
e
ninguém lhe dá ouvidos.
Um garoto
de olhar triste implora
para
comprarem lixas de unha.
Sabe,
se não vender nada, enfrentará
os
olhos mudos da sua mãe ao chegar em casa.
Nas
escadarias do metrô um homem
a
vender dois isqueiros, oito pilhas,
duas
colas ao preço de um real.
Um
gato faminto come e devora
a
pomba que morreu atropelada.
Na
outra esquina um menino pede
um
prato de comida e nada consegue.
No
calçadão um senhor grita pega ladrão
e
ninguém para ajudá-lo.
O
policial vem socorrê-lo e não alcança
o
assaltante que se perde
entre
o mar de camelôs e a população.
Observo
a cidade em terceira dimensão
e
vejo que São Paulo ainda é
o
melhor lugar para se viver.
Na
frieza dos concretos as flores humanas
plantam
sementes de amor
em
nome da Vida.
FUTURO NEON
Rosani
Abou Adal
(In Paixão por
São Paulo)
Flores
brotam no coração da Sé,
a
Catedral sorri em uníssono.
O
chafariz ilumina e acolhe
os
homens sem teto e sem fruto.
Os
sonhos refazem a vida que colhe
esperanças
no altar mor das ilusões.
O
evangelho é proclamado
pelos
fiéis no banco da praça.
Menores
fumam craque e cheiram cola
em
busca de um futuro neon.
As
calçadas de plástico clamam em nome da paz.
Eremitas
vendem sonhos nas ruas.
A
Catedral da Sé, um poliedro de esperanças.
Os
pratos vazios amanhecem no ventre
da
cidade desvairada
e,
nas escadarias, Mário de Andrade
canta
Salmos e bebe Kyries.
Fome
- grita alguém do outro lado.
Sede
- exclama o comedor de fogo.
Milhões
de pessoas a naufragar
no
silêncio da melodia muda.
Ninguém
escuta os filhos da mesma aurora.
Pausa
- a cidade ensurdece e emudece.
A
fome e a sede, as cores vivas do País.
Poemas de Rosani Abou Adal traduzidos para o francês
por Jean
Paul Mestas
PLANÈTE
TERRE
Tes forêts se transforment
en un désert de cendres.
Tes eaux, chlorure et iode.
Faune marine, oiseaux,
vie qui s'épuise.
Hommes inguérissables.
Fleuves, lacs solitaires,
légendes d'autrefois.
Ton proumon alteré.
Couche d'ozone,
un souffle en spire.
Que pouvouns-nous faire de toi
si tes enfants
sont en trai de mourir de
faim?
PLANETA TERRA
Tuas
florestas transformam-se
em
deserto de cinzas.
Tuas
águas, em cloreto e iodo.
Espécies
marinhas, pássaros,
vida
em extinção.
Homens
morrendo incuráveis.
Rios
e lagos solitários,
legendas
do passado.
Teu
pulmão poluído.
A
camada de ozônio
um
sopro em espiral.
O
que podemos fazer por ti
se
tuas crianças estão
morrendo
de fome?
NU - LE CORPS
Lorsque les pétales se taisent
le matin s'assourdit
la rosée sèche
la brise s'eclipse au levant
la vie s'abolit dans les pleurs
inerte l'aurore murmure
le temps désaccordé se rompt
le silence crie sans espoir
le sourire aux horions fane
des piquants palpent le corps nu
des feuilles s'approprient
la langue solitaire
Silence mien et lour
accolé à ma solitude
NU – O CORPO
Quando as pétalas se calam
a manhã se ensurdece
o orvalho seca
a brisa se dispersa no
alvorecer
a vida omite-se no pranto
a aurora sussurra inerte
o tempo descompassado se
rompe
o silêncio grita desesperado
o sorriso murcha nos
horizontes
espinhos acariciam o corpo
nu
folhas beijam
a língua solitária
silencio-me e durmo
acompanhada à minha solidão
Rosani Abou Adal est née en 1960 à São Paulo.
Elle a suivi les cours de Journalisme
Publicité et Propagande à la Faculte de
Communication Sociale Cásper Líbero.
Elle édite "Linguagem Viva", journal
littérarie mensuel fondé en 1989 avec Adriano Nogueira.
Elle écrit des poèmes, contes, chroniques et
histoires pour enfants. Fecueils de Poésie:
Mensagens do Momento (1986); De Corpo e Verde (1992); Catedral do
Silêncio (1996).
lle collabore, par exemple, à Jalons (France)
e et The Poet (EUA).