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Sem Saída
Rodolfo Konder Saí do restaurante e peguei o carro das mãos do manobrista. Não era o
meu carro. A marca, sim. A cor também. Tratava-se, no entanto, de um carro
estranho, mais moderno, forração nova, volante menor. Era o carro de outra
pessoa. Apesar disso, liguei o motor, engrenei a primeira e segui em frente.
Fui até a Marginal, dobrei à direita e acabei no estacionamento de uma
empresa onde jamais trabalhara. Entrei sem problemas, respondi ao cumprimento
do ascensorista, atravessei uma sala repleta de gente, ocupei um gabinete de
trabalho e comecei a distribuir tarefas. Todo mundo agia com absoluta
naturalidade, ninguém contestou minhas decisões, as solicitações pareciam
satisfazer as necessidades do departamento. Um chefe que jamais vira me
passou instruções precisas, convidou-me para um encontro no clube, no fim da
tarde, fez alguns pedidos que atendi com presteza. Após o trabalho, estivemos
juntos num clube que eu via pela primeira vez. Mas o porteiro foi
extremamente cortês, o rapaz da sauna me tratou como se fôssemos velhos
amigos, o barman veio com o “meu” drink. No fim da noite, senti que me
transformara em outro homem, inclusive pelas gorjetas que passei a
distribuir, nas mesas, no bar, na chapelaria. Então, voltei para casa. Era um sobrado confortável,
de muro alto, quatro ou cinco árvores no jardim gramado. Paredes brancas,
janelas de madeira escura. Um enorme mastim de cara sinistra me recebeu como
se eu fosse realmente o dono. Entrei pelos fundos, depois de colocar o carro
na garagem. Havia sobre a mesa da cozinha em generoso copo de leite, que
tomei sem hesitar. Depois, chequei portas e janelas, desliguei a tevê,
apaguei as luzes e subi para o quarto – onde uma mulher me esperava. A nova mulher parecia
menos atenta às minhas preferências. Nunca discutíamos, talvez porque
conversássemos pouco. As crianças – filhos que não eram meus – me irritavam,
malcriadas, sempre imunes aos meus conselhos. E aos novos amigos faltava uma
certa solidariedade, um grau mínimo de comprometimento. Enfim, mudei completamente
de vida, moro numa casa maior e mais confortável, ganho um salário dez vezes
superior, mas sinto saudade das mesas do Veloso e do Jangadeiros, dos
mergulhos entre as pedras do Arpoador, das meninas da rua Monte Negro, das
madrugadas quase inofensivas de Ipanema e Copacabana. Hoje, sinto que gostaria
de voltar atrás. Queria retroceder, mas acho que é tarde demais. Vou ser
franco: preferia a vida anterior. Acho que não consegui me adaptar plenamente
aos novos hábitos, à mudança. A verdade é que caí numa tremenda armadilha, da
qual não posso mais escapar. Às vezes, no fim do dia, penso em fugir, voar,
desaparecer, sei lá. Mas as crianças choram, se me afasto. O cachorro gosta
de se deitar junto aos meus pés, quando estou sentado na poltrona da sala.
Meu chefe me negou o pedido de demissão que apresentei semana passada. E
minha mulher se recusa sequer a discutir a possibilidade de um divórcio. Rodolfo Konder é escritor e conselheiro da União Brasileira de
Escritores. |
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