Genésio Pereira Filho


João Meireles Câmara


Editorial


Sem Saída


O Estudo Técnico da Literatura: a Narrativa


Ao Embalo da Manga madura


O Silêncio dos Intelectuais


Na Lata do Poeta


Concursos


Um Cidadão Chamado FERNANDO MURALHA


Carta da Academia de Letras de Campos do Jordão


Novo livro de Audálio Dantas: A infância de Mauricio de Sousa


Notícias


Edições


Página Inicial

 

 

 

 

 

 

Sem Saída

Rodolfo Konder

Saí do restaurante e peguei o carro das mãos do manobrista. Não era o meu carro. A marca, sim. A cor também. Tratava-se, no entanto, de um carro estranho, mais moderno, forração nova, volante menor. Era o carro de outra pessoa. Apesar disso, liguei o motor, engrenei a primeira e segui em frente. Fui até a Marginal, dobrei à direita e acabei no estacionamento de uma empresa onde jamais trabalhara. Entrei sem problemas, respondi ao cumprimento do ascensorista, atravessei uma sala repleta de gente, ocupei um gabinete de trabalho e comecei a distribuir tarefas. Todo mundo agia com absoluta naturalidade, ninguém contestou minhas decisões, as solicitações pareciam satisfazer as necessidades do departamento. Um chefe que jamais vira me passou instruções precisas, convidou-me para um encontro no clube, no fim da tarde, fez alguns pedidos que atendi com presteza.

Após o trabalho, estivemos juntos num clube que eu via pela primeira vez. Mas o porteiro foi extremamente cortês, o rapaz da sauna me tratou como se fôssemos velhos amigos, o barman veio com o “meu” drink. No fim da noite, senti que me transformara em outro homem, inclusive pelas gorjetas que passei a distribuir, nas mesas, no bar, na chapelaria. Então, voltei para casa.

Era um sobrado confortável, de muro alto, quatro ou cinco árvores no jardim gramado. Paredes brancas, janelas de madeira escura. Um enorme mastim de cara sinistra me recebeu como se eu fosse realmente o dono. Entrei pelos fundos, depois de colocar o carro na garagem. Havia sobre a mesa da cozinha em generoso copo de leite, que tomei sem hesitar. Depois, chequei portas e janelas, desliguei a tevê, apaguei as luzes e subi para o quarto – onde uma mulher me esperava.

A nova mulher parecia menos atenta às minhas preferências. Nunca discutíamos, talvez porque conversássemos pouco. As crianças – filhos que não eram meus – me irritavam, malcriadas, sempre imunes aos meus conselhos. E aos novos amigos faltava uma certa solidariedade, um grau mínimo de comprometimento.

Enfim, mudei completamente de vida, moro numa casa maior e mais confortável, ganho um salário dez vezes superior, mas sinto saudade das mesas do Veloso e do Jangadeiros, dos mergulhos entre as pedras do Arpoador, das meninas da rua Monte Negro, das madrugadas quase inofensivas de Ipanema e Copacabana.

Hoje, sinto que gostaria de voltar atrás. Queria retroceder, mas acho que é tarde demais. Vou ser franco: preferia a vida anterior. Acho que não consegui me adaptar plenamente aos novos hábitos, à mudança. A verdade é que caí numa tremenda armadilha, da qual não posso mais escapar. Às vezes, no fim do dia, penso em fugir, voar, desaparecer, sei lá. Mas as crianças choram, se me afasto. O cachorro gosta de se deitar junto aos meus pés, quando estou sentado na poltrona da sala. Meu chefe me negou o pedido de demissão que apresentei semana passada. E minha mulher se recusa sequer a discutir a possibilidade de um divórcio.

Rodolfo Konder é escritor e conselheiro da União Brasileira de Escritores.