|
|
|
Sinfonia e Ciranda
Caio Porfírio
Carneiro
Cyro de Mattos é um impressionista de paisagens, um pintor do seu
chão e um analista de almas. Em Canto a Nossa Senhora das Matas (edição
bilingüe, Fundação Casa de Jorge Amado, Bahia, 2004) é um círio da grande
chama poética do autor destes poemas que, com igual força expressiva,
consagrou-se no conto, na crônica, na
literatura infantil... É um criador multifacetado. Os prêmios conquistados e
os aplausos da critica já o consagraram há muito tempo. E tudo o que vem do
seu veio criador traz a marca personalíssima, na leveza e sutileza de trato
em qualquer gênero literário que aborda. Vivendo em Itabuna, na Bahia,
consegue, pelo talento, levar a sua chama criadora ao País inteiro. E mais:
para além do escritor e do poeta de primeiro plano, é, embora distante dos
grandes centros, um divulgador cultural invejável, organizando antologias e
apoiando valores de nossas letras que se vêem tolhidos em alcançar o público
dado à barreira praticamente intransponível dos meios editoriais. Trouxe
a público este Canto a Nossa Senhora das Matas, com os poemas,
traduzidos para o alemão, por Curt
Meyer-Clason e ilustrações de
Calasans Neto, em bela apresentação gráfica. O poema que abre o livro
e dá título ao livro, em sopro sonoro de balada, é uma “prece” à natureza, tão agredida, na sua
região, e, por extensão, no mundo inteiro. “Quando a mata for deserta, não mais se colher a flor, o rio se esconder da chuva, a terra dormir amarga e de Deus não cair a lágrima, será esta a triste música?” Rio Morto
é outro grito de dor: “Tua morte lentamente com sede inventada nas bocas de vômito... Cachoeira o teu nome Do rio que chora água.” Mas
estes poemas não põem em baixo-relevo os demais da obra. De
uma região no sul da Bahia, onde os ritmos musicais e folclóricos são
riquíssimos, Cyro de Mattos tudo fotografa da flora, da fauna, dos hábitos e
vida cotidiana de sua gente, transmudando-os quase numa sinfonia, com
solfejos belíssimos e... seus picos de dores. E com a referida leveza de
trato. Vai à essência do tema e nunca desborda para o panfleto. Em certas
passagens lembramo-nos até, sem busca de comparação, do verso ou advertência
de Augusto dos Anjos, referindo-se ao junquilho: Esta alma, meu pai,
possui minh’alma.” Os poemas infantis, - que fecham o livro, embora o
poeta obrigatoriamente desça o nível da linguagem, para o alcance do jovem -
não desnivelam o todo. Antes pelo contrário. Dá dimensão original à sinfonia,
porque a cerca de uma originalíssima ciranda. Comentar
obra como esta traz-nos o desejo de citar trechos inteiros. O melhor é lê-la,
senti-la, guardá-la nos escaninhos da alma e do coração. Como
o poeta diz, no início do poema Embarque: O que deixo: Verde solidão Da raiz ao cabelo... ...... O que deixo: Gemido e agulha Ensacando ventos. Todo
este livro, de “dourados pomos”, é um vendaval de ouro que expõe a lavra de
onde veio com seu brilho fulgurante e suas sombras de dores. Caio Porfírio Carneiro é
secretário administrativo da União Brasileira de Escritores. |
|