Eça de Queiroz


Minhas Praias


Editorial


Martha Medeiros


Prêmio Mulheres no Mercado


A Magia de um Contador de Histórias


Lavradio


17° Encontro de Haicai


                Notícias


Edições


Página Inicial

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

Sinfonia e Ciranda

Caio Porfírio Carneiro 

Cyro de Mattos é um impressionista de paisagens, um pintor do seu chão e um analista de almas. Em Canto a Nossa Senhora das Matas (edição bilingüe, Fundação Casa de Jorge Amado, Bahia, 2004) é um círio da grande chama poética do autor destes poemas que, com igual força expressiva, consagrou-se no conto, na  crônica, na literatura infantil... É um criador multifacetado. Os prêmios conquistados e os aplausos da critica já o consagraram há muito tempo. E tudo o que vem do seu veio criador traz a marca personalíssima, na leveza e sutileza de trato em qualquer gênero literário que aborda. Vivendo em Itabuna, na Bahia, consegue, pelo talento, levar a sua chama criadora ao País inteiro. E mais: para além do escritor e do poeta de primeiro plano, é, embora distante dos grandes centros, um divulgador cultural invejável, organizando antologias e apoiando valores de nossas letras que se vêem tolhidos em alcançar o público dado à barreira praticamente intransponível dos meios editoriais.

Trouxe a público este Canto a Nossa Senhora das Matas, com os poemas, traduzidos para o alemão, por  Curt Meyer-Clason e ilustrações de  Calasans Neto, em bela apresentação gráfica. O poema que abre o livro e dá título ao livro, em sopro sonoro de balada, é uma  “prece” à natureza, tão agredida, na sua região, e, por extensão, no mundo inteiro.

“Quando a mata for deserta,

não mais se colher a flor,

o rio se esconder da chuva,

a terra dormir amarga

e de Deus não cair a lágrima,

será esta a triste música?”

Rio Morto é outro grito de dor:

“Tua morte lentamente com sede

inventada nas bocas de vômito...

Cachoeira o teu nome

Do rio que chora água.”

Mas estes poemas não põem em baixo-relevo os demais da obra.

De uma região no sul da Bahia, onde os ritmos musicais e folclóricos são riquíssimos, Cyro de Mattos tudo fotografa da flora, da fauna, dos hábitos e vida cotidiana de sua gente, transmudando-os quase numa sinfonia, com solfejos belíssimos e... seus picos de dores. E com a referida leveza de trato. Vai à essência do tema e nunca desborda para o panfleto. Em certas passagens lembramo-nos até, sem busca de comparação, do verso ou advertência de Augusto dos Anjos, referindo-se ao junquilho: Esta alma, meu pai, possui minh’alma.” Os poemas infantis, - que fecham o livro, embora o poeta obrigatoriamente desça o nível da linguagem, para o alcance do jovem - não desnivelam o todo. Antes pelo contrário. Dá dimensão original à sinfonia, porque a cerca de uma originalíssima ciranda.

Comentar obra como esta traz-nos o desejo de citar trechos inteiros. O melhor é lê-la, senti-la, guardá-la nos escaninhos da alma e do coração.

Como o poeta diz, no início do poema Embarque:

O que deixo:

Verde solidão

Da raiz ao cabelo...

......

O que deixo:

Gemido e agulha

Ensacando ventos.

Todo este livro, de “dourados pomos”, é um vendaval de ouro que expõe a lavra de onde veio com seu brilho fulgurante e suas sombras de dores.

Caio Porfírio Carneiro é secretário administrativo da União Brasileira de Escritores.