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O SONHO NÃO PODE ACABAR

 

 

Francisco Miguel de Moura

 

 

No passado eram as pulsões reprimidas como manifestações humanas (especialmente as do sexo) que faziam o sofrimento, a dor, as doenças. Havia uma ética rigorosa, quem a transgredisse seria punido imediatamente pelos complexos de culpa e, depois, pela sociedade, com suas leis, seus preconceitos tão conhecidos dos escritores e cientistas sociais.

Alcancei minha mãe dizendo assim: “Meu filho, o que mais se perde neste mundo é vontade”.

A sociedade de então tinha incongruências, tolhida pelos costumes avoengos, pelos mandamentos religiosos e pelos decretos reais, ilhava-se, sem condições de crescer, de desenvolver-se. Pois só a liberdade tem o poder de criar, errando e acertando, embora para crescer contabilize-se mais acertos do que erros.

Já hoje, principalmente nos últimos anos do século XX, a partir dos anos 80, o mundo virou pelo avesso a sociedade enlouqueceu. Há falta de freios éticos. Muita liberdade, nenhum sentimento de culpa, podendo-se fazer tudo sem assumir, a qualquer hora, sem medo e a qualquer preço: sexo fácil, consumismo desenfreado, educação liberalíssima (ou nenhuma), mídia mentirosa e massificante. Só há direitos a usufruir, nenhum dever nem obrigação para com os outros. Não há padrão a seguir, seja político, religioso, ou moral. A violência crescente, avassaladora, nesse clima incentiva um agir sem culpa. Insuportável!  No seu bojo, o comércio de drogas, legais ou ilegais, onde os que perderam a carência e o sonho buscam alívio ao destempero do mundo e, ao mesmo tempo, encontram a degeneração através da quebra de equilíbrio do cérebro e a queda da alma no abismo das neuroses, psicoses e no suicídio, para o inferno da família.

A família? O que é isto, agora?

Dessacralizou-se, como a sociedade em geral, sem fé nem princípios e referências norteadores da boa conduta, restando a depressão geral de um e de todos – por excesso liberticida.  Ao contrário do que aconteceu no passado, quando o problema era a carência de liberação das energias vitais, segundo a linha freudiana. Adaptando as palavras de ontem, de minha mãe, eu formularia que “o que mais se ganha hoje são desejos e o que mais se perde são sonhos, esperanças...”

Chega-se a um impasse do que seria melhor para o homem: Seguir esta estrada escura, estonteantemente veloz, seduzido pela mídia televisiva, a internet, o cinema, os best-sellers, os jornais e revistas (quase todos descaracterizados), a mercadoria e o facilitário a comandarem todos os impulsos?  Ou dar uma visada no passado, pesar o que fora bom ou razoável e retomá-lo, adaptando-o à nossa contemporaneidade?

“Nos Dez Mandamentos é que a besta-fera humana foi domada. Negar a Palavra (a ética – a explicação e o grifo são meus) é negar a própria civilização, é o império da guerra de todos contra todos”, diz Nivaldo Cordeiro”. Traduza-se: a guerra de todos contra todos ou de todos contra nenhum – porque a individualidade, a autonomia e os sonhos já há muito se terão evaporado no sorvedouro da massa.

Francisco Miguel de Moura é escritor brasileiro, mora em Teresina.